Carmen

Só eu mesmo para ficar deprimida desse jeito de novo!

Parece que eu não aprendo! Do alto de meus 31 anos não tive serenidade ainda para fazer algo diferente?

Desculpa aí, estou aqui novamente me lamuriando e nem tive a delicadeza de me apresentar. Pelo que vai ser narrado aqui é melhor vocês me conhecerem como Carmen. Ou poderia ser Maria, Rosa, Alice, Camila, Fernanda, Marlene, Maristela, Flavia, Eduarda, Josefa, Vânia, Aparecida, Gisele, Giovanna, Gerusa, Gioconda, Regina, Beatriz, Marina, Mariana, Ondina, Zélia ou qualquer nome feminino que você imaginar. Acho - dentro da minha pouca humildade – que tudo que acontece comigo pode acontecer a qualquer uma. Será que falei cedo demais? Ou que apenas busco consolo para justificar meus erros? Será que sou diferente porque valorizo os erros e não dou pelota para os acertos? Será que isso realmente é apenas uma mentira que criei para mim?

Perdi minha virgindade com dezesseis anos de idade. Normal na minha geração. O pior é que fui para a cama com um jovem e promissor poeta que aos meus olhos adolescentes pareceu um personagem saído de um livro de um escritor beatnick. Não vou descrevê-lo aqui porque seria um enorme clichê. Menti para ele que tinha dezenove. Ele me disse que tinha 26 e estava saindo de um nevoeiro particular de sua existência. Parece que algo relacionado às suas “vidas passadas”. Bloqueio de escritor. Alguma coisa desse gênero. Eu sei que deveria ser mais esperta por ter tido um bom começo. Ele me tratou com carinho e atenção. Com respeito. Sempre buscando primeiro o meu prazer. Não sei se foi altruísmo ou puro charme. Sei que amei. Até menti para ele que meu hímen era complacente. Ficou assustadíssimo quando viu o sangue. Eu estava tão radiante que inventei uma historinha para ele. Chegamos a sair algumas vezes e o sexo era bom como a primeira vez. Só que ele não queria compromisso por conta de seus próprios dilemas. Sempre me dizia que teria de resolvê-los sozinhos. Não lembro se respeitei sua opinião ou era apenas uma menininha besta metida a blasé. Digamos que perdemos o contato algum tempo depois.

Ainda não mencionei que sou negra. Não que isso faça diferença. Minha falecida mãezinha também era e sempre me ensinou que raça não faz diferença nenhuma. Tentou sempre me proporcionar cultura, estudo e dignidade. Mas na hora do tal jogo da sedução minha cor sempre foi pontos ao meu favor. Esse poeta dizia que eu era a típica “negra bela”. Nunca mais esqueci esse termo. Tenho apenas que cuidar um pouquinho com a balança. Tenho seios fartos e lábios grossos. Minha bunda é redonda e a parte do meu corpo que acho mais bonita são minhas coxas. Os pedólatras ficam malucos quando estou de sandálias abertas. Gosto de me vestir bem e meu cabelo é “bom”. Pena que às vezes eu seja tão burra! Me apaixono e sempre me dou mal. Depois do poeta caí numa das maiores esparrelas da minha vida!

Merda (desculpem o palavrão, posso ser mulher, mas um nome feio na hora certa produz milagres ) ,logo eu tive uma iniciação tão legal e me aparece o Marlon! Eu deveria ter me ligado antes. Mas fiquei boba com aquele lourão de cinema, olhos verdes me dando a maior bola. Galanteios. Conversas sussurradas ao pé de ouvido regadas a vinho de colônia. Claro que eu morri de amores. Começamos a namorar e dois meses depois eu estava morando com o cara! Larguei o cursinho pré-vestibular para morar com um rapaz que nem conhecia direito! Minha finada mamãe quase enlouqueceu comigo, porém, tentou apoiar. Cortar o cordão umbilical, ou seja, lá o que for. Amadurecer na marra. Quem sabe?

Fui morar com o Marlon numa casa de fundos de dois quatros num bairro mais central de Curitiba. Eu que tinha me criado na região metropolitana, Araucária. Parecia mesmo que eu tinha mudado para capital. Queria que nós dois arrumássemos emprego. Sair juntos para trabalhar. Ganhar nosso próprio dinheiro. Guardar um pouco todo e mês e um dia finalmente comprar nossa casa própria. Nosso canto. Nosso “ninho de amor”. Sonho meu...

Acabei arrumando trabalho de caixa um restaurante de propriedade de um casal de árabes muito decentes e diligentes. Não posso classificá-los de outra forma. Enquanto fiquei por lá sempre me ajudaram e me incentivaram e pagaram meu salário em dia. Durei nove meses. E durante esses nove meses percebi que meu companheiro apesar de sair de casa comigo sempre chegava tarde, alterado e muito estranho. Não tinha idéia dentro da minha cabeçinha adolescente que esse homem de 23 anos era um viciado em todos os tipos de entorpecentes existentes e ainda por cima mentiroso compulsivo. Começamos a discutir muito e ele sempre me fazia as promessas mais estapafúrdias para que não nos separássemos. Eu sempre o perdoava porque no fundo gostava dele e achava que podia ajudá-lo. E nesse ínterim engravidei! Mas o Marlon me dizia todo dia que estava agindo, que estava se virando, que estava “afiando seus contatos” e que “nada iria nos faltar, que tudo estava certo”. E só fui descobrir quais eram os ditos “contatos” quando ele foi preso! Porte e tráfico de crack e cocaína, fui a acusação formal! Quase surtei! Eu tinha dezessete anos, um filho na barriga e meu marido estava encarcerado por um crime hediondo! E para agravar a situação minha mãe é apanhada por um AVC fatal! O que me restava? O que eu tinha feito a deus para merecer isso, era a minha pergunta. Talvez, eu estivesse fazendo a pergunta errada. E daí? Mãe morta. Pai em lugar incerto e não sabido. Marido detento. Minha sogra é quem cuidou de mim nessa fase terrívell. Nunca mais fui trabalhar no restaurante de vergonha. Simplesmente desapareci de lá.

Quando o Raphael nasceu o Marlon ainda estava no distrito. Só foi conhecer o filho quando ele tinha quatro meses. Levava cigarros e comida para ele em todos os dias de visita, mas minha sogra não permitia levar o bebê. Era a chantagem que ela fazia para ver se o filho tomava jeito. Quando ele saiu estava embrutecido, revoltado e mentindo cada vez mais. Mudamo-nos de casa e foi a pior coisa que poderia acontecer. Ele sumia por dias e reapareci sujo, fedendo, aéreo e falando coisas incoerentes. Não poderia mais viver assim. Nascida e pronta para morrer. Foi o meu filho que segurou as pontas para eu não enlouquecer. No fim das contas peguei minhas coisas e arrebanhei a criança e fui morar num quarto de pensão próximo à “Rua do Rio”. Consegui outro emprego. Dessa vez de “doméstica para morar na casa”. Gente rica. Advogados corporativos. Honestos e educados. Terminei meus estudos e passei no vestibular de História em uma universidade particular. Claro que meu salário nunca permitiria cursar, mas fiquei feliz por ter passado em exame tão concorrido! Aluguei uma quitinete e foi aí que Marlon começou a me perseguir prá valer e aparecer por lá nos horários mais inusitados. Sempre louco e chapado. Sempre me ameaçando se eu o deixasse. Sempre dizendo que me encontraria até no inferno. Não que ele fosse me bater. Nunca fui mulher de apanhar de homem. Isso nunca! Podia não ter muita experiência de vida só que “mulher de malandro”, prá mim de jeito nenhum! Tenho brios. Acho que tenho. Mas, confesso que ele chegou a me deixar apavorada algumas vezes. Ele aparecia. Fazia seu “comício” recheado e insultos e impropérios e palavras do mais baixo calão enquanto eu chamava a polícia. Ele se mandava antes dos homens chegarem. Até que um dia ele sumiu. Desapareceu com o que por algum encanto. Fiquei histérica! Aquele filho da puta iria me deixar na mão com um filho dele nas costas para criar? Foi o que ele fez. Nem sua mãe sabia me informar onde ele estava e para completar minha desgraça, conseguiu a guarda do Raphael em juízo! E pelas minhas costas! Fiquei sem marido, sem filho, sem sogra, sem mãe e nem pai da noite para o dia. Pensei inclusive em suicídio. Resolvi voltar para Araucária. Voltei com o rabo entre as pernas, completamente derrotada. Aluguei mais um quarto de pensão e comecei a receber o seguro desemprego. Enquanto isso, meu emprego na casa dos advogados foi para o espaço. Droga de vida!

Eu não iria ficar me lamuriando e sentindo pena de mim mesma. Eu iria à luta. Quem dizia que você poder ser derrotado, mas nunca destruído? Também fiquei sabendo por terceiros que o Marlon não tinha sumido. Tinha sido morto por um traficante que ele tinha tentado ludibriar e não pagar a conta. Chorei como uma criança abandonada quando soube. Eu sentia carinho pelo Marlon. Meu filho era dele também. Arranjei outro subemprego. Minha cara! Trabalhar em casa noturna como garçonete! Boate de playboy se é que vocês me entendem. Cantadas toscas e nenhuma gorjeta. Salário de fome, claro! Segundo grau completo para isso! Trabalhava das seis da tarde até as seis da manhã. Doze horas servindo mesas e drinques. Chegava em casa morta de cansaço e só consegui tomar um banho e dormir para acordar as quatro da tarde , tomar outro banho, chegar ao trabalho, jantar com os funcionários e continuar a jornada. Durei um pouquinho mais nesse batente: um ano e meio.

Quando pedi as contas conheci um coroa que era tudo que eu estava precisando. Pelo menos era o que eu achava. Tinha trinta e sete anos e estava saindo de um relacionamento complicado de doze. Como e onde o conheci não é importante nesse momento. Só sei que começamos a sair e nos relacionar. Eu dormia muito na casa dele. Cinema. Teatro, Bons restaurantes. Algumas viagens. Era isso que a gente fazia. Eu me sentia no sétimo céu! Parecia que depois de tudo que eu tinha passado agora eu estava sendo recompensada. Namorei com ele durante três anos até que um belo dia, sem nenhuma explicação, ele resolveu que não me queria mais e que não ficava bem para ele ser visto ao lado de uma “preta”. Insultei-o com todos os palavrões que eu conhecia e sumi de vista. Peguei minhas tralhas e novamente fiz a romaria pelos pensionatos e hotelecos dos mais baratos. Decidi que ficaria por Curitiba mesmo. Eu achava que teria mais chances de encontrar alguma colocação. Qualquer coisa eu encarava: vendedora com comissão, apontadora de jogo de bicho, caixa de lotérica, repositora, atendente de farmácia, faxineira. Fiz tudo isso durante dois anos. Trabalhava para comer, morar e tentar me vestir. Não me apegava mais a nada. Começava até a desconfiar que deus talvez não existisse.

Aos 23 anos comecei a beber. No começo meio timidamente. Depois abertamente. Entrava nos bares mais sórdidos e virava doses e doses de conhaque e vinho baratos goela. Os bêbados e os cervejeiros de plantão a principio ficando me comendo com os olhos e tempos depois já me viam apenas como uma parceira de copo. Fiz algumas amizades e todos sempre foram respeitosos comigo. Parecia que aquele patético grupo de seres humanos desprezava carne humana. Inclusive já fazia algum tempo que eu não trepava com ninguém. Fingia que sublimava o sentimento. Na verdade eu apenas soterrava o desejo com gigalitros de álcool. Até que uma noite, entrando num bar de roqueiros, vi um cara que parecia um velho conde vampiro. E ao que tudo indicava sua única missão era capturar minha alma. Ele era alto, magro, pálido, com negros cabelos longos, mãos finas, olhos de um castanho profundo. Ofereceu-me uma dose do que ele estava bebendo. Tinha um tom de voz rouco e sedutor. Com o tesão recolhido que eu estava não demorou nem uma hora para ele me levar no motel. Foi uma noite gloriosa e que no fim dormi abraçada a ele. No dia seguinte quando acordei, vi apenas um bilhete ao meu lado que me desejava boa sorte. Nunca mais o reencontrei. Precisava de uma noite de carinho no estado emocional em que me encontrava. No dia seguinte voltei a minha rotina de trabalho e bebedeira. Naquela manhã eu não estava de ressaca, prá variar um pouco. Rotina. Era como se resumia minha vida. Em rotina.

Continuei nesse ritmo etílico até os vinte e sete anos. Até hoje não sei como não arranjei um internamento numa clínica de reabilitação ou uma bela cirrose hepática. Na verdade, tenho um borrão na minha memória destes tempos. Loucura total. Havia dias em que eu trabalhava suando frio e tremendo. Conseguia dar conta do serviço e no fim do expediente lá ia eu lépida e faceira novamente para o bar. Até o dia que bebi demais, falei o que não devia, fiz o inimaginável e quando despertei achei que tinha sobrevivido a uma catástrofe nuclear, vomitando as tripas e muito sangue então resolvi cortar o vício da embriaguez de uma vez. Antes que alguma coisa realmente séria acontecesse. Estava outra vez desempregada e vivendo de auxílio do governo. Ás vezes eu pensava se não seria melhor jogar tudo para o alto e me tornar uma indigente tutelada pelo estado. Parecia que cada passo que eu dava eu chegava cada vez mais perto da beira do abismo. Não tinha mais contato com meu filho! Pirava muito! Eu realmente parei de beber para não perder o pouco que restava minha sanidade de vez. Todos os dias eu comprava o jornal para consultar os classificados. Todos os dias eu varria o mercado de trabalho sem nenhum sucesso. Pensei em virar garota de programa. Achei que seria a solução. Quem sabe misturar negócios com prazer? Será que daria certo? Acabei me apresentando para um anúncio. Início imediato. Dinheiro no fim do dia. Comissão para mim em cada lata de cerveja ou bloody mary que o cliente consumisse. Fiz cinco sessões naquela tarde. Começava a achar que poderia me acostumar com essa vida e ir levando e ganhar um bom dinheiro. Afinal, como dizia aquele poeta do começo da história, eu era uma ‘negra bela’. Mas eu não contava com a inveja das minhas colegas de “trabalho”. Sempre fuxicando e fofocando pelas costas umas das outras. Tentei por um bom tempo ficar na minha, mas um dia o tempo fechou, acertei um belo murro na boca de uma polaca fedida que ficava fazendo pouco caso da minha cor e novamente eu estava na rua. Puta que o pariu! O que faltava para em acontecer? Continuava pensando em suicídio como uma solução viável para todo o meu sofrimento. Talvez eu estivesse pagando algum pecado de uma vida passada.

Maldita hora que fui me meter com o porra louca do Marlon! Pensava nisso toda hora e talvez uma overdose, um tiro na cabeça, um corte de pulsos, gás, ou pular de uma ponte fosse a solução. Acabei me envolvendo com um grupo de espíritas que acabou sendo muito útil para aplacar minha dor. Fui morar com uma senhora que era médium e era “rezadeira”. Decidi que iria dar jeito na minha vida maluca e aparentemente sem perspectiva, e novamente me vi com o nariz nos livros estudando para concursos públicos. Eu só queria a nota exata para passar. Não me importava em qual lugar ou em qual repartição. Só estudava. Dia e noite estudando e decorando leis, formulas e até jornais. Coloquei minha leitura em dia. Comecei a escrever um diário. Tinha cama e comida e fazia os serviços domésticos e depois estudo, estudo, estudo. Prestei todos os concursos que consegui pagando as inscrições com bicos de faxineira e garçonete. Fiz isso por quase toda a vida. Estava acostumada. Sentia uma falta danada do Raphael, meu bebê. Dizia para mim mesmo que quando eu ganhasse uma boa grana e pudesse pagar um advogado recuperaria meu filho. Por outras vezes achava que era melhor ele ficar onde estava. Afinal, seu pai estava morto e seu corpo tinha sido jogado numa quebrada qualquer. A mãe tinha se sujeitado até a vender o corpo! Melhor que meu filho ficasse longe de mim. Não sou egoísta. Acho que não.

Um belo dia o telefone tocou e eu atendi. Uma voz feminina do outro lado da linha disse-me que eu tinha sido aprovada no concurso daquela repartição e que eu providenciasse todos meus documentos que dentro de uma semana eu seria efetivada! Não consigo descrever aqui a minha emoção! Eu me sentia renascida. Pulei e gritei e dancei como se tivesse perdido o juízo. Minha companheira de casa estava tão contente quanto eu. Juntei todos os meus papéis e rumei diretamente para meu novo emprego. Quem diria euzinha uma funcionária pública! Nível de segundo grau, mas uma funcionária pública! Assinei meu contrato e comecei a trabalhar imediatamente. Dois mil reais por mês! Nem um prêmio da Megasena naquele momento me deixaria tão feliz e realizada! Eu tinha uma mesa e um computador e uma cadeira e uma impressora e as pessoas da minha sessão tinha belos sorrisos e estavam muito bem vestidas. Fiz amizade com duas meninas muito bonitas e legais quase imediatamente. Um emprego para vida toda, pensei! E trabalhei lá por dois anos inteiros sem faltar um dia por conta do tal “estágio probatório”. Sem problemas! Depois de todos os batentes nojentos eu tinha encarado anteriormente aquilo era um pedaço de paraíso. Para quem acha que servidores públicos não fazem nada e apenas recebem um polpudo vencimento eu posso garantir que isso nunca aconteceu comigo. Tinha trabalho à beça para fazer! Eu não reclamava de nada! Finalmente estava me sentindo como uma mulher! Como um ser humano. Parecia que eu tinha retornado ao mundo dos vivos depois de uma temporada aflitiva no meio do mais cruel inferno. Claro que tinha gente que falava demais e trabalhava de menos, mas desses eu mantinha a distância saudável.Mantinha-me reservada. Nem preciso falar que sempre havia alguém querendo “puxar o tapete” dos colegas. Longe de mim! Eu chegava, ligava meu computador, fazia o que tinha que ser feito e saia pontualmente no horário. Se precisasse fazer serão não tinha problema nenhum para mim. O pagamento nunca atrasava.

Cumpri meu tempo de estágio e finalmente ganhei uma gratificação. Outra vez eu estava feliz. Tinha duas amigas que eram da mesma seção que eu prezava muito. Tinha um garotão metido a roqueiro que sempre me cantava quando eu passava e me convidava para sair. Para falar a verdade não saí com ele porque realmente não fazia meu tipo. Bom rapaz, porém muito baixinho para os meus padrões. Fiz 29 anos. Fiz trinta. Fiz trinta e um anos. Cada ano mais feliz com meu emprego. Quem diria: eu, Carmen, funcionária pública. Poderia até pensar em aposentadoria.

Despedi-me da minha protetora, agradeci por toda sua ajuda e aluguei um apartamento só para mim no bairro das Mercês e o recheei com tudo que eu tinha direito: cama de casal, armários, fogão, geladeira, microondas, laptop, e outros bichos. Comprei roupas novas e sapatos. Ia ao cabeleireiro duas vezes por mês. Tinha uma coleção de carnês para pagar, e para mim isso não era nenhuma guerra mundial. Podia quitar todos com calma e assim levava a vida tranquilamente. Consegui por todos esses anos não me meter em encrenca, até que...

Tadeu tinha 39 anos e como dizem por aí “um pedaço de mau caminho”. Olhos azuis que sorriam, um metro e oitenta e um de pura gostosura, sempre casual e bem vestido, dentes brancos num riso contagiante, cabelos modernos e começando a ficar grisalhos, mão grandes, peito e ombros largos e principalmente um senso humor negro que me encantava. Não resisti às suas investidas. Nem sonhei em resistir. Não havia nenhum sinal em seus dedos de que pudesse ter algum compromisso. Entrei de cabeça. Eu achava que esse homenzarrão era feito exclusivamente para mim. Saímos um par de vezes e eu me divertia muito ao seu lado. Parecia o solteiro ideal para uma moça sofrida como eu. Ele lia bastante e eu tinha recuperado meu hábito de ler. Tinha uma conversa inteligente e brilhante. Era sagaz e um piadista nato. Parecia enxergar o lado engraçado da vida. Fantástico esse cara! Eu estava perdidamente apaixonada quando começamos a ir para a cama. E nesse quesito não duvide! Ele era matador. Eu sempre me perguntava onde suas mulheres tinham falhado. Era um verdadeiro orgasmo físico quando ele ia jantar em meu apartamento e eu preparava a comida. Ele adorava cinema e ensinou-me a curtir jazz. Adestrou-me para o sexo oral. Realizei algumas fantasias ao seu lado. Só me pedia sigilo no trabalho. Ora, isso era moleza. Não queria nenhuma sirigaita de olho do meu homem! Parecia que depois de muito bater cabeça eu tinha finalmente conseguido um cara que prestasse! Porra, eu merecia. Desde os dezesseis anos só me dando mal! Me enroscando com trastes que só queriam me comer!

Saímos muito para almoçar e ele mostrou-me também a sutileza da gastronomia oriental. Eu estava nas nuvens. Parecia bom demais para ser verdade!

E era! Eu não perdia por esperar. Mais uma vez.

Havia quatro meses que estávamos saindo. Eu achava que nem precisava dizer. Ele era meu namorado, oras! Não era? Claro que era! Mas, meu deus, como eu sou boba. Por vezes penso que nasci fadada ao fracasso. Nunca me considerei uma vadiazinha fácil. Mas será que era isso que eu demonstrava para as outras pessoas? Será que todos os homens nesta terra acham que sou uma garota fútil? Não consigo encontrar respostas para minhas próprias perguntas!

Naquela manhã (eu não tinha falado com o Tadeu na noite anterior) cheguei no meu horário de sempre à repartição. Uma menina que sentava a umas três cadeiras da minha veio em tom conspiratório:

-E aí, tá sabendo da novidade?

- Que novidade? Eu quis saber.

-Aquele gostoso do Tadeu. Casou-se ontem com uma argentina e se mandou para Buenos Aires fazer uma pós graduação em direito criminal! Sortuda essa gringa! E sortudo aquele bonitão. O pai da garota é alto empresário do ramo imobiliário por lá e o bicho vai viver nas costas do sogrão! Porque não aparece um ricaço desses na minha vida? Puta merda! Será que nasci prá ser só funcionaria pública de médio escalão? Mas um dia a casa caí eu acabo me dando bem!

Afastou-se me deixando com aquela bomba no meu colo!

Cai das nuvens! Não podia acreditar que o Tadeu tinha feito essa cachorrada comigo! Não conseguia raciocinar direito! Fui ao banheiro em câmara lenta. Meu corpo parecia que tinha sido castigado a marteladas! Como ele podia! Eu não conseguia ainda acreditar no que tinha ouvido. Peguei meu celular e liguei para seu número, sentada no vaso sanitário. Estava prestes a desabar no choro. Uma mensagem gravada qualquer dizia que aquele telefone estava desativado. Lágrimas brotavam aos borbotões do meu rosto. Cheguei a soluçar alto! Pouco em importava que alguém estivesse ouvindo. Eu estava arrasada! Devastada! O filho da puta tinha feito comigo tudo que sempre me fizeram por toda uma existência.

Não existem finais felizes.. Esse é meu testemunho. Será que nunca vai acabar? Será que só terei serenidade na velhice. Final feliz? Ora, vá se foder...

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 19/08/2010
Código do texto: T2447205
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