Ezequiel e Virgínia

Ezequiel era daquele tipo que todo dia estava na igreja. Conhecia o livro santo de cor e salteado, mas da vida real conhecia muito pouco. Muito crente desde jovem só conheceu – no sentido bíblico do termo – uma mulher, Virgínia, sua esposa. Por um joguete do destino o melhor amigo de Ezequiel lhe era diametralmente oposto. Beto era católico não praticante, bebia toda sexta, sábado e domingo quando o fígado lhe permitia, estava sempre enrolado com algum rabo de saia e achava graça da ingenuidade de Ezequiel com alguns assuntos.

Naquele dia Ezequiel foi tomar conselhos com Beto. Virgínia vinha perturbando seu juízo e ele precisava desabafar. Foram num bar, Beto pediu uma cerveja e Ezequiel um refrigerante, sem gelo e sem limão.

- Já não agüento mais esta situação, Beto. Não é direito isso! Nem minha religião, nem minha higiene me permitem!

- Presta atenção nas tuas palavras homem de Deus! Qualquer um, e eu disse qualquer um, suplica pra sua mulher fazer isso e você desfaz desse jeito de um pedido da Virgínia? Mas esse mundo é muito injusto mesmo!

- Você não entende. Isso é pecado.

- Olha Ezequiel, vou ser bem franco contigo, você sabe que mulher que nem a Virgínia você não encontra mais né? Vai arrumar de perder tua mulher por causa de nojinho, ô Ezequiel? Pecado? Ah, para com isso vá.

- P-perder? Você acha que posso perder a Virgínia por causa disso?

- Ué, quem não dá assistência abre mão pra concorrência. Vai saber o grau do desejo dela, se você não comparece como ela quer...

- Ela não me trairia por causa disso.

- É, mas pode-se sempre pedir o divórcio né?

- E eu virar um desquitado? Ainda pior!

- Pois é. Você desquitado não vai comer ninguém.

Beto só balança a cabeça espremendo os olhos em sinal de reprovação ao amigo já meio alcoolizado.

Ficar sem sexo não seria problema pra Ezequiel, mas o comentário de Beto mexeu com ele de outra forma. E se Virgínia tivesse mesmo uma vontade tão insuportável e se entregasse a outro homem. Sabia que era seu dever satisfazer a mulher, mas não sabia se conseguiria. Tinha medo demais, mas qual medo era pior? Perder o amor de Virgínia, compartilhá-la com outro homem, tornar-se um separado aos olhos de todo mundo ou praticar um pecado dentro de quatro paredes e resolver a questão. Talvez fosse até interessante uma coisa nova.

Uma semana depois retornam ao tal bar.

- E aí, Ezequiel? Resolveu alguma coisa nessa sua cabeça cheia de minhoca?

- Resolvi, resolvi...

- Ô rapaz, que cara é essa? O que aconteceu?

- Fiquei pensando no que você me disse. Não podia perder a Virgínia. De jeito nenhum.

- Isso aí meu rapaz! E aí, como foi a sensação? Diferente do tradicional né?

- Não sei.

- Como assim Ezequiel?

- É ué, não fiquei sabendo.

- Por quê?

- Quando me decidi por tentar, ela desistiu.

E Ezequiel já não confiava mais tanto em sua mulher.