Amor, não conheceu. Ainda pendurada no pé aquela fruta verde, que jamais amadurecera. Ficava só vigiando. Se um inseto pousasse, dava um jeito e o punha ao ar para bebericar de outras águas. Cuidava para que nada embaçasse o verde brilhoso, quase encerado, do fruto que jazia lá, em expectação, em permanente estado de vir a ser.

Se lhe restasse um dia, mais da metade estaria comprometida com desvelos comuns, coisas simples do cotidiano urbano. Então, que para o amor nunca lhe sobrara tempo. Desculpava-se. No fundo, o que não queria sentir: o que lhe faltara? Tomou-se de certa  sensação de invisibilidade. Talvez fosse um anjo.

De volta àquela janela antiga, lembrou-se dos pombos sobre os telhados vizinhos. Da cara da lua cheia que banhava a cama de solteiro no quarto dos fundos que só ia embora quando o cansaço de seus olhos teimava em cobrir a claridade dourada da noite. Gostava muito mais daquele beijo de luz, onde o quebrar das sombras falava de um mundo coberto de silêncio. E depois, tinha o violão que não fazia música, mas companhia. Um corpo onde apoiar a poesia intensa dos mistérios.

Ainda trazia essa intensidade na alma. De quê? Como um perfume que ascende pelo ar sem que se veja o frasco, um grão de matéria que lhe desse forma, ou cor, ou volume. Divisava o rio em sua correnteza mansa, sob os raios do luar. Um tremular constante de estrelas luzidias cravadas na matéria líquida das águas turvas. Quem entenderia? Quem amaria essa carne sem sangue, que se embriagava de riachos?

Verde, verde fruto o amor que lhe corria em seiva. Suas sementes ainda se escondiam, sem que lhe viessem forças para germinar. Não, não lhe doía que assim o fosse. De longe a espionava uma certa curiosidade que não chegou a vingar, sobre amadurecimento. Mas...

Bastante era saber que o fruto ainda verde, um dia, nascera flor.

Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 14/08/2010
Reeditado em 15/08/2010
Código do texto: T2438582
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