O FINADO
Julieta se preparava com capricho. Comprou flores, se arrumou toda, perfumou-se, colocou o mesmo vestido vermelho decotado que usa todos os anos e foi para o cemitério. Ia visitar o túmulo de Ademar, seu falecido marido. Julieta enviuvara há dez anos. De lá para cá, não se casara de novo. Pretendentes apareceram, claro. Afinal, ela é uma mulher jovem ainda, 40 anos, bonita e bem cuidada. Tem uma boa pensão que Ademar lhe deixou e sabe gastá-la muito bem com vaidades. Mas preferia viver só.
Julieta conheceu Ademar ainda adolescente. Tinha 16 anos. Primeiro namorado, primeiro marido. Namoraram, noivaram e casaram. Julieta casou-se virgem. Era a tradição da família. E dela também. Passaram três anos casados quando a morte levou Ademar. Ele foi atropelado por um caminhão. Na época, a polícia investigou e tudo, mas o motorista do caminhão não foi preso. Ficou provado que Ademar atravessara de repente, como se estivesse se jogando na frente do caminhão e não deu tempo do motorista frear. Assim, Ademar finou-se.
Julieta, que costumava ir pela manhã, daquela feita foi à tarde ao cemitério. Quando estava perto do túmulo de Ademar, viu uma mulher lá e duas crianças, todos ajoelhados diante do túmulo de Ademar. Ela não se aproximou. Obedeceu ao sexto sentido que toda mulher tem e aguardou. A mulher que estava lá chorava silenciosamente. As crianças, também. Julieta observava que a mulher "conversava" diante do túmulo. E as crianças pareciam fazer o mesmo. Passaram quase duas horas naquela lenga-lenga.
Finalmente, eles pareciam ter resolvido ir embora. Colocaram algumas coisas sobre o túmulo, que não dava para ver de longe o que eram. Depois que foram embora, Julieta aproximou-se. Passos rápidos, com a curiosidade de quem sabe que não vai receber uma boa notícia. E foi isso mesmo o que aconteceu. Sobre o túmulo, havia um ramalhete de rosas brancas, um crucifixo e uma cartolina com desenhos, certamente feitos pelas crianças. No desenho, havia um homem, uma mulher e duas crianças - um menino e uma menina. E a seguinte frase: "Temos saudades, papai!".
Julieta olhou aquilo e ficou enfurecida. Teve vontade de ressuscitar o marido só para matá-lo com suas próprias mãos. Apertou as rosas que trazia para o finado. Rasgou os desenhos e picotou as flores brancas que "a outra" havia deixado lá. Foi embora. No ano seguinte, eis que Julieta retornou ao cemitério, desta vez pela manhã, para não ter surpresas. Deixou uma caixa sobre o túmulo e foi-se. Quando estava dando uma geral no cemitério, no final do dia, o zelador viu a caixa e a abriu: tinha uma calcinha, aparentemente usada, e um bilhete: 'Usei isso mês passado, no nosso aniversário de casamento, com seu primo'.