Para Encher Linguiça

Odeio sexta-feira à noite.

O povo parece que enlouqueceu inebriado por liberdade. Liberdade? De cu é rola, meu irmão. Pode crer. Trânsito caótico (se bem que aqui em Curitiba – que conta com os piores motoristas do universo – é quase todo dia assim) que piora consideravelmente nesse dia. Bêbados amadores. Putas querendo garantir o fim de semana e a pizza de domingo dos filhos, universitários cabeças ocas procurando barulho, músicos falidos mendigando espaço para apresentar suas canções requentadas. Menores de idade chapados e loucos aprontando vandalismos. A polícia totalmente surtada e caçando assunto. Traficantes cobrando suas dívidas. Assassinatos e violência doméstica por motivos banais. Não acredita? Pega a “Tribuna” de segunda feira e dá uma vista d’olhos. Tudo isso regado a todo o tipo de álcool e de drogas que se possa catalogar.

Eu que sou macaco velho e não coloco minha mão em lugar nenhum prefiro o bar de sempre (do lado de fora porque essa ira antitabagista atingiu a cidade em cheio e os maiores interessados deixaram essa lei absurda comer solto), cerveja gelada e doses generosas de um trago do mais forte. Claro que eu não estou isento de receber a energia negativa desde bando de bestalhões. Que dúvida! Não sou “iluminado”, nem iogue e tampouco vivo num mosteiro. Pelo contrário. Trabalho no pior emprego do mundo. Tenho até nojo e relatar isso para vocês, mas não se assustem. Não é tão ruim. Somente um pouco pior. Podem relaxar. Essa historia e bem curta. Não vou cansar e nem estragar o fim de semana de ninguém. Espero...

Lá estava o otário aqui no bar de sempre. Seis e meia da noite de inverno incrivelmente frio de um ano qualquer do século XXI da era vulgaris. Tequila com sal e limão e cerveja bem gelada. Isso nunca acaba bem. 43 anos na cara e eu não aprendo. Adoro acordar morrendo de sede e meio bêbado lá pelas quatro da madrugada vendo bicho.

O atendente do balcão me atendeu com a sua alegria de sempre. Serviu com a diligência de sempre e recebeu a gorjeta de sempre. Pago na hora. Não quero nada escorregado para minha nota no fim da bebedeira. “Old habits, hard too break”, como diria meu amigo Depp. Uma dose no vira-vira e um gole de cerveja para rebater. Continuar nesse ritmo até chapar os cornos ou começar a enxergar dobrado. Legal isso. Se você tiver um pingo de responsabilidade e não achar que depois dessa carga alcoólica você vira o Nelson Piquet. “Se beber não dirija. Se não dirigir e for me beber me convide”. O mesmo povo de sempre. Ainda bem. Gatinhas bonitinhas e conhecidas. Nada para uma noite de sexo animal no meu apartamento de fundos, mas para uma boa conversa tudo de bom! Os velhos freqüentadores de sempre que não incomodam e às vezes contam boas piadas e pagam um trago. Jóia. Enquanto eu não ficar passado e começar a falar merda dá para ir levando. Acho que falei cedo demais...

Estava fumando meu baseado num canto afastado do botequim com um grupo de músicos amigos meus. Estavam começando a ficar bem sucedidos e ganhar um bom dinheiro, mas não tinham perdido a humildade, os valores e o senso de humor. A vocalista era uma gatinha de um metro e sessenta e cinco de altura, cabelos curtos e tingidos de rosa, olhos delirantemente azuis e um corpo perfeito. Vestia uma calça jeans apertada e um suéter preto por debaixo do sobretudo cinza. Usava luvas de dedos nas mãos e contava uma história engraçadíssima de palco. Eu ria e me divertia. A bebida fluía. Seu marido também estava conosco e era um cara simples e legal. Inteligente e articulado e por acaso tocava guitarra muito bem. O baixista era um garotão sagaz e baterista simplesmente um amor de pessoa. Tudo estava perfeito até chegar o imbecil que gerou essa historieta.

Só podia ser advogado! Que merda de raça! Será que eles aprendem a ser picaretas na universidade ou já nascem talhados para serem desse jeito? Essa será a pergunta da semana de um milhão de dólares. Lá vamos nós. De novo!

O cara simplesmente chegou na roda em que estávamos e já começou ditando regras. Todos nós nos entreolhamos entre confusos e divertidos. Quem tinha chamado essa figura indigesta para a conversa? Ninguém saberia responder. Ou será que lírios geram seres bizarros? Encostou-se à baterista e começou a sussurrar no seu ouvido. Ela nos olhava e continua rindo e se divertindo e virando seu copo como se não fosse com ela. Eu não tenho toda essa desenvoltura, tenho que admitir. O cara estava semi-bêbado, se ele estivesse com muita sorte. De repente aconteceu o que eu mais temia: o babaca veio para o meu lado. Puta que o pariu. Iria começar a ladainha. Não tenho saco para isso, mas enquanto eu insistir em ser um pau d’água conhecido essa situação vai se repetir sempre. Quem mandou começar com essa desgraça liquida aos quatorze anos? Ele parou na minha frente. Era apenas mais um baixotinho metido a besta. Mais um advogadinho que achava que tinha se formado e não precisava mais estudar e que conhecia a vida de fio a pavio. Me encarou. Deve ter doído seu pescoço. Afinal tenho um metro e oitenta e um de cabelo, barriga, tatuagens e chapação. Olhou nos meus olhos e disse:

- É sua essa coisinha fofa?

-Pena que não. Respondi e pisquei para aquela belíssima baterista.

-Então você é veado? Ele provocou.

-Sou. Topei a parada. Porque você quer me comer?

- Deus o livre. Você é feio prá caralho.

- E se eu fosse bonitinho, garotão? Devolvi o galanteio.

-Tá me tirando prá boiola, meu chapa? O babaca estava muito a fim de confusão. Ótimo. Encoste. Encontrou. Foi o que pensei.

-Não estou te sacando, seu zé. Respondi.

Tive um dia de cão no serviço e esfregar a cara do idiota no asfalto seria um fator de diminuição de estresse e tanto. O cara deu dois passos e me deu um empurrão. Nem senti. Tomei o resto de cerveja no copo. Joguei-o longe espatifando em cacos. Meus amigos se afastaram. Dei três passos para trás. Preparei e soltei a canhota fechada. Acertei em cheio. Entre o nariz e os lábios. O sangue jorrou como em vídeos de vale-tudo. Ele caiu estatelado a uns três metros de mim. Quem estava dentro do bar saiu ver o estrago. O dono me segurou pelos ombros e me levou para dentro. Trancou-me na cozinha e chamou a polícia pelo seu telefone celular. Serviu-me uma dose arregada. Virei de um gole só. Ele serviu outra.

-Se os homens me pegam Elias, vou responder processo, cara! Exclamei.

-Relaxe. Você tem mais de dez testemunhas ao seu favor. Não é a primeira vez que esse filho da puta arranja confusão no bar. Das outras vezes tentei segurar os caras que queriam massacrá-lo só hoje deixei você fazer o serviço.

Eu ainda estava perturbado com a aproximação da PM. Já tinha duas advertências por porte de erva e se rolasse outro tipo qualquer que tumulto iriam me mandar novamente para a reabilitação ou para bater um papo com algum juiz engomadinho e careta que com certeza iria me encarcerar. Ouvi a sirene de longe e fiquei muito apreensivo. Continuei trancado na cozinha com garrafa na minha frente. Só estava esperando o tamanho da conta. Merda!

O estrago não foi tão grande afinal. Apenas levaram o babaca para a delegacia mais próxima. Ele iria tomar uma sessão de pau de arara bem dado e no dia seguinte seria liberado. A gente sabe bem como isso funciona.

Mas realmente, noite de sexta não é uma bela porcaria? Dia para amadores. Os profissionais deveriam se embriagar até cair em casa. Mas quem resiste a tentar arrumar assunto para escrever?

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 13/08/2010
Código do texto: T2436141
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