Aprende mais quem ensina
Adoro ser voluntário em creches públicas, o único problema é controlar as crianças, se deixar elas se matam, nunca vi tamanha disposição e energia, não param um minuto! O problema maior é canalizar toda essa energia para uma coisa boa e produtiva.
-Parem com isso agora!
-Foi ele quem começou!
-Foi não...Você quem se meteu numa briga que não era sua!
-Não quero saber...Só quero que parem agora!
Serenado os ânimos, sentei-me num banco, na tentativa de ler um livro, em quanto olhava as crianças a brincar no pátio. Quando uma das crianças, o maiorzinho, chegou perto, pedindo-me para ficar um pouquinho ali comigo, perguntei se ele queria alguma coisa e se estava tudo bem. Percebi que seus olhos já estavam cheios de lágrimas, foi quando ele me disse:
-Se eu chorar aqui perto de você, promete que não vai falar pra ninguém!
-É claro que não! Quem bateu em você?
-Ninguém Tio, foi eu que defendi o meu irmão! Ele é pequeno e os maiores abusam sempre dele. Ficam "enchendo o saco"! Sabem que eu não gosto que o chamem de Bambinho!
-Como é que é?
-É isso mesmo tio, ficam apelidando ele de Bambinho!
-Mas não é um apelido feio! Bambino é menino em italiano.
-Não é Bambino tio! É Bambinho...por que ele é pequeno e fraco!
Na hora entendi que se tratava de uma "brincadeira" de mau gosto entre crianças, onde algumas ofendem a integridade moral e às vezes física das outras. É o que eles chamam hoje em dia de "bullying".
-Olha vou te dar um conselho, os apelidos só pegam se as pessoas perceberem, que você se sente incomodado com ele. Nada dá mais prazer à determinadas pessoas do que irritar os outros. Então se você não ligar, perde a graça e eles logo param de te incomodar.
-O Sr. acha mesmo?
-É claro! Está certo que você como irmão mais velho, tem que defender seu irmãozinho, só que não deve bater nas crianças mais novas!
-Não tio, eu sou mais novo que ele!
E começou a chorar copiosamente, não estava entendendo nada, ele era bem maior que o irmãozinho, acho que estava com remorso por ter batido nas outras crianças, que eram bem mais fracas que ele. Pedi que parasse de chorar e me contasse o que estava acontecendo. Então entre um soluço e outro, ele me falou:
-Meu irmão é doente, faz tratamento e toma muitos remédios, só por que ele é frágil e diferente dos outros, não dá o direito de judiarem e zombarem dele, já não chega o sofrimento da doença, esses meninos ainda vem martirizar ele! Isso eu jamais vou permitir!
E num desabafo, aquele menino contou-me que tinha mais dois irmãos, bem mais novos que ele. E pelo que entendi, ele, tomara pra si a responsabilidade de cuidar e proteger os 3 irmãos, inclusive o mais velho que era doente.
Os pais trabalhavam o dia todo, sobrava a ele a incumbência de vesti-los, preparar o lanche, e juntos irem para escola. Uma criança em tenra idade, já desde cedo, tendo que conviver com todas essas responsabilidades.
Mas o que se seguiu, foi o que me deixou mais surpreso, ele me fez a seguinte pergunta:
- Tio, por que os mais fortes sempre batem nos mais fracos?
-Olha...Não é bem assim! Existem leis que não permitem que isso aconteça!
Tentei argumentar no sentido de tirar da cabeçinha dele, esse conceito de domínio que há entre as espécies, mas não teve jeito. A cada resposta que eu dava, ele me pegava em outra pergunta.
-Tio...Meu pai disse que os países mais ricos, mandam nos mais pobres e as leis são só para os pobres!
Em saber que esse estigma tem acompanhado a humanidade desde outrora. Embora hodiernamente o domínio se dê de modo mais sutil. Acompanhamos diariamente nos noticiários as imposições das grandes potências mundiais, frente à fragilidade das nações subdesenvolvidas, as macro empresas devorando suas medíocres concorrentes.
Difícil era explicar esse jogo de poder e soberania que acompanha a humanidade, a uma criança, sem que com isso venha a destruir seus sonhos ou quebrar o encanto e a inocência infanto-juvenil.
-Tio...Deu o sinal, tenho que ir, senão chego atrasado, amanhã a gente conversa mais, não vai esquecer da sua promessa!
-Não se preocupe, até amanhã então!
Depois que ele saiu, foi que eu me dei conta. Ele escondia seus sentimentos temendo demonstrar fraqueza, não queria que ninguém o subjugasse. Ninguém melhor para um desabafo do que Eu, uma pessoa neutra, afinal de contas os irmãos contavam com sua força e proteção.