Vertigens

Depois do último shoot de vodka, aquela sensação de flutuar foi se abatendo pelo meu corpo, sentia-me levitar, sorria as falsas lamúrias que guardei em meu peito durante estes mais de 30 anos. Nossa, foi tanta reclusa que nem sei mais de onde tirei tanta mágoa. Acho que os baús não agüentavam mais de tanto passado. Então, resolvi no fim deste ciclo de nove anos: abrir as amarras da minha represa. Iniciei retirando a primeira pedra, e as outras foram apenas caindo, umas sobre as outras, uma avalanche de mágoas, tristezas e perdas, todas sendo levadas a outros oceanos que não mais os meus.

Eu flutuava, o álcool invadia todas as células do meu corpo, o organismo não conseguia mais distinguir as cores que se davam daquele nascer do sol. Tenho a sensação que o rosa que o céu criava refletia a paz que inicialmente dominava meu corpo. Lindo, rosa, flutuante. Uma súbita sensação de alegria tomou conta por inteiro, cadê a música? Eu quero dançar? Cadê o garçom, preciso de mais álcool... Nunca mais quero parar de me sentir assim, não tenho mais medo, muito menos controle, não controlo mais nada – ainda mais minhas pernas, nem elas eu consigo mais controlar, elas tem vida própria, não querem levantar, não querem me deixar pegar mais uma bebida.

No impulso, o mundo gira, gira, gira. A sensação boa começa a passar, a represa aberta começa a pesar no meu peito, uma vontade de chorar inunda meu corpo, choro, afinal, a decisão foi minha e tenho me livrar do passado. Então choro, como se o mundo fosse acabar, como se não em restasse mais nada. Choro como uma criança de três anos que soube da morte do pai, da adolescente que perde o avô. O choro das incompreensões, o choro dos fracassos, o choro dos medos banidos. Chorava pelos corações partidos, pelo medo da solidão. Chorava com força, como se naquele segundo tudo estivesse sendo colocado a prova, revivia cada perda, cada mágoa, cada segundo. Naquele momento era apenas eu – por mais cheio que o bar estivesse, por mais que meus amigos tentassem me consolar. Naquele momento, eu começava a deixar aquela criança mimada me controlar. Era à hora da virada, era eu adulta assumindo minhas escolhas, por mais bêbada que estivesse.

Pegaram-me pela mão, eu já não conseguia mais andar, o choro começava a acalmar, no banheiro coloco para fora todo o álcool consumido naquelas poucas horas, era a hora da limpeza, passo a sentir o gosto podre de todo ressentimento que um dia guardei a sete chaves dentro de mim, o cheiro – o choro – o nascer do sol, ninguém entendia como aquilo podia fazer tanto sentido, mais em momentos de limpezas profundas – não temos como explicar – apenas aceitamos e entendemos. O álcool havia deixado meu corpo em um só rompante, e inexplicavelmente eu comecei a sentir uma paz, que nunca antes havia sentido. Sentei na mesma pedra que já havia ancorado tantas vezes o meu choro, e sorri. O sol já se iluminava, o ele nascia teimoso em meio de tantas nuvens. Finalmente, começava a lidar comigo e estava tudo bem.