Amizade sincera...
O bem-te-vi todos os dias vinha saudá-la. Alegre. Célere. E ela começava o seu dia feliz! Muito feliz. Conversava, conversava com ele. Ele respondia com cantos em sol maior, plenos de luz! Agradecia-lhe a hospitalidade . Sempre tão gentil. Acolhedora.Dava-lhe migalhas de pão . Dava-lhe água, e, sempre, muito carinho! Uma cisterna de amor inesgotável estava ali, em seu velho coração. Havia também uma pequena piscina que a filha construíra há tempos atrás para neta...à época era uma festa. A criançada se deliciava .Hoje, quem se divertia era o bem-te-vi com sua família inteira ! Caíam na farra! Ela com seu velhinho, ali também se inspiravam para os últimos momentos de amor—sessenta e seis anos de parceria na vida e na arte!Ao redor, a filha plantou margaridas brancas, sua flor predileta. Dália lilás, sua cor preferida!Havia um pé de rosa, dessas caipiras, mas de uma beleza digna da nobreza! E Maria-sem-vergonha, que dava até nos muros, flores que encantavam Dona Chiquita, mulher rural, de tantas labutas na roça, de cestas de marmitas nas costas, de longas caminhadas até chegar ao cafezal, sempre tão perfumado, branquinho para se casar, ou rubro, pronto para ser tocado, colhido. Depois, no terreirão, para ser lavado em caixas de água da mina, seco ao sol e levado ao pilão, torrado em fogão de lenha e, finalmente, passado no coador de flanela branca, colocado no bule de ágata verde, com uma flor vermelha delicada em seu centro... e servido, quentinho, a quem ali aparecesse. Com direito a um pedacinho de pão, broa de fubá e requeijão , tudo feito por suas mãos, hábeis, calejadas, carinhosas. Assim era Dona Chica, amiga fiel do bem-te-vi e de todos que a visitassem. Por isto ele vinha todos os dias acordá-la. E fazia uma festa ao vê-la saçaricando no quintal. Fuçando o seu jardim, estendendo suas roupas branquinhas, todas naturalmente alvejadas pelo sol. Bem-te-vi adorava fazer companhia às suas roupas, e sondava ansioso os cachos de banana nanica que sua sinhá pendurava com uns ferrinhos ao teto da varanda. Ali se deliciava. Dona Chica corria ao telefone.—Vem filha, vem logo! , o bem-te-vi está aqui, pronto para ser fotografado. Mentira, queria mesmo era a companhia da filha.... Dia desses ela lá retornou, alguém chamou-a... O pomar estava mudo. Frutas amareladas, com fungos verdes, podres ao chão. A piscina seca, suja, as árvores silentes, não havia mais o seu alegre cantar...-- bem-te-vi, bem-te-vi, onde será que você se escondeu? E um canto triste, persistente, lá de cima ecoava, -- : mal-te-vi , mal-te-vi, não a vejo mais aqui-- outras asas a levaram para outro lugar...
Benvinda Palma