Cúmplice da bola
Futebol era vida dele ou a vida dele era o futebol?
Ele sempre se perguntara e gargalhava depois.
Amado pela mãe, zelado pelo pai, primogênito das duas partes, paparicado pelas avós, xodó dos tios e tias.
Era muito amado.
Nascera um artilheiro! Pensava sempre, com um orgulho que jorrava dos olhos.
Tinha jeito para o esporte e a vida deste prodígio teria apenas um caminho: felicidade impávida e eterna.
Achava-se um homem, que modestamente, seu destino estava dirimido a um ponto: sucesso.
A sua parceira era a bola. Ela o tratava bem.
O que fazia nas quadras e campos aos sábados e domingos repetiria em sua vida, durante a semana.
O jogo de futebol era o combustível do caráter.
Ali, ganhara a estima e disciplina necessária.
Seus gols, dribles e passes milimétricos eram convertidos no cotidiano, em músculos, charme, alegria, inteligência, postura e competência.
De segunda a sexta, era outra partida, da qual reempregava as lições da “bola”, tão passionais e significativas, em diversas situações, incluindo o trabalho, o estudo e os relacionamentos.
Onde ele estava era a atenção principal. Também não era para menos.
Divertido, inteligente, cativante e provocativo.
Era o cara!
Ninguém duvidara. Pelo menos era o que ele achava.
Introspectivamente, devotado à bola. Acreditara - tudo que acontecia fantasticamente em sua vida era devido ao futebol dos finais de semana.
Mas chegará a hora de enfrentar a vida.
Estava bem preparado. Era feliz. Destacava-se entre os seus.
Fadado ao sucesso. Sempre lembrava deste pensamento que presumia estar implícito na família e nos amigos.
Com tanta coisa boa a acontecer em sua vida, não poderia lhe faltar à fé.
Era um Cristão. Acreditara em Deus sobre todas as coisas e formas.
E sim, carregara como qualquer devoto ao Pai Todo Poderoso - A Culpa.
Pois Deus entregou o filho - Jesus Cristo - para salvar o mundo, as pessoas, as plantinhas, os cachorrinhos, as pessoas más e boas. Tudo foi salvo mesmo.
Como o ensinaram, também seria homem bom. Do principio ao fim da sua magnitude existência. E sempre que pudesse e conseguisse iria oferecer a outra face, para quem o agredira.
Pois assim se configurava o alicerce de um bondoso Ser que acreditava na Justiça Divina.
Seja bom, escutara sempre, até de E.T para Elliot, personagens do filme que sempre o comovera.
Assim, nunca teria que ter medo do Limbo, do Inferno, do Coisa Ruim.
Ah! O Paraíso, local desejado para passar a eternidade, o estaria esperando, com tudo que há direito.
Lá, encontraria as pessoas de branco, com suas auréolas e asas aladas.
E no julgamento bíblico final?
Terminaria no Jardim do Éden. Seria uma passagem heróica, pois ali descansavam e curtiam a eternidade, todos os homens de sua família. Era a máxima certeza.
Aliás, admirava os “anjos” do seu sangue.
Foram pessoas honradas, trabalhadoras e devotas às proles.
Nunca se perguntou, se aqueles exemplos de dignidade, que nunca tiraram um dia sequer de férias, para dar de tudo aos pares, foram felizes?
Já tinha à resposta.
Não haveria o porquê do questionamento.
Ele seguiria o exemplo dos antepassados, como todo Varão, também teria que carregar o peso destes heróis exemplares de seu clã.
É a herança histórica. Quase genética. Terá que superar o pai financeiramente, socialmente e em tudo. Assim como o seu pai superou o seu avô e o nonô cumpriu a sina diante do bisavô e este brilhantemente fez com o Tataravô.
Isso é obrigação! Não tem conversinha.
Aprendera dessa forma. Seu pai, avô, mãe, tia, prima, sobrinho, vizinho, amigo, todos aprenderam assim. Não haveriam de estar errados.
É o destino. E este se cumpre, não se discute.
Também manteria a tradição de se casar.
Escolhera mulher.
Está, teria que ser devotada ao marido, fazedora dos deveres domésticos e seria uma excelente mãe para os seus futuros filhos (os mesmos que futuramente teriam que superá-lo também).
Veja só, ele escolheu uma esposa com as mesmas qualidades da mãe!
Era com esses olhos que ele enxergara a companheira que teria por toda vida, como manda a Igreja e as convenções estabelecidas e nunca ditas.
Que coincidência! É muita sorte!
Nunca se questionou se existiria o amor.
Mas com certeza, tinha bons sentimentos pela futura parceira.
Fez como mandava o figurino. Cumpriu o estabelecido.
Nunca se perguntou se havia outro jeito de viver ou ver o mundo.
Um dia ficou indignado e comentou com um amigo o que leu em um livro sobre o amor.
Segundo o nosso personagem, lá estava escrito que o amor a uma mulher poderia ser de cumplicidade.
Onde o sentimento serviria de porto seguro para ele e para a dita (palavras dele), se reconhecer e reencontrar, se refazer e ampliar-se e por fim, explorar e também se descobrir.
Absurdo! Em conluio com o amigo era indagação perfilada de afirmação – na teoria a prática é outra?
O homem cuida da parte econômica, não deixa faltar nada aos seus; enquanto a mulher cuida da casa e dos filhos. A história se repete a gerações. Desde as cavernas.
Assim, casou. E deixou o futebol.
As “coisas” e o sucesso não vieram como pensava e também como presumia que os outros pensavam dele.
Assim, aumentou os fardos do dia-a-dia, histórico e religioso. Ficou inconcebível viver com qualquer realidade que pudesse crer.
Abandonou a bola. Mas ganhou outra esfera, o seu corpo.
Fez da alimentação um auto flagelo.
Toda vez que o “sucesso” não o acompanhava, descontara nas esferas.
Sim, nas esféricas: pizzas, esfihas, hambugueres, almôndegas e até a cerveja que descia redondo.
Era infeliz.
Não foi assim que ensinaram a vida a ele.
Não estava fadado ao sucesso?
E a Justiça Divina?
- O que aconteceu com Deus e Jesus Cristo, este último há 2000 anos sentado confortavelmente no trono do lado direito do Pai maior, não fará nada? Indigno-se.
Esqueceram dele?
Mas ele era boa pessoa.
Restava-lhe cumprir o destino familiar, cristão e milenar.
Inflar o máximo e assim alcançar a paz derradeira.
O céu haveria de ser um lugar melhor. E lá, ele estaria, na certeza da Igreja, da religião e da pretensão dos homens. .
Mas há 6.000 anos e 40 dias antes do Paraíso (Aquele de Adão, da Eva e também o da Serpente), o destino de qualquer cidadão estava escrito são os dizeres rodrigueanos.
É, tudo definido. O script estava pronto. Bastava ele cumprir o seu carma.
Aquele tão acolhido no livro infindável da vida.
Mas antes de findar o que era para estar escrito.
Algo o perturbava. E era sobre Jesus Cristo.
- Desde que nascera, o nosso personagem carregava - A Culpa – pela morte de JC, como todo Cristão. E um questionamento não saia dos seus neurônios.
- Há exatos 1967 anos, Jesus curte uma aposentadoria absurda. Não faz absolutamente nada após a ressurreição. Então é assim. Cura uns cegos, leprosos, ressucita Lázaro porque chegou atrasado, andou em cima do mar, multiplicou os pães e o vinho, para os seus encherem a cara, levou umas chicotadas, uma pregadas e carregou a sua cruz. Tudo bem foi dolorido, mas aí? 2000 anos de paraíso é muito tempo, refletiu com uma rebeldia de um doente terminal.
E continuou: – Essa é a vontade Deus ? Será que tenho que presumir a vontade de uma força tão poderosa? E outra coisas, todo mundo presume até a sua existência.
E o conflito deixou de ser entedioso e começou a consumir as suas entranhas.
Não aceitava mais o destino que um dia pensou que a Figura Maior o dedicou a ele.
Não havia o porquê duvidar ou presumir a vontade de Deus.
É. Mas a vida e o futebol são caixinhas de surpresas.
E ele ousou “enfrentar” as vicissitudes da “força divina”.
Da forma mais difícil e cruel consigo.
Buscou um “céu” mais tangível e real.
Amadureceu
Desistiu de presumir o papel que tinha que ocupar na vida dos outros e na sociedade.
E buscou ocupar o seu, na sua vida.
Chorou, esperneou e se desesperou.
Fez muitas coisas erradas.
E certas também.
Falou menos, ouviu mais.
Assistiu ao sol nascer.
Viu as águas do rio correr.
Transou com amor.
Fez sexo.
Amou e não foi amado.
Foi amado e não amou.
Finalmente enterrou os seus mortos.
Exorcizou os dogmas que não eram dele.
Se perdoou.
É feliz, quando teve tudo para não ser.
Descobriu que a vida não é um jogo de futebol.
E nem que o futebol é a vida dele.
A vida é somente dele. Entre ela e o seu desejo nada pode ou poderá intervir.
Basta querer.