O espelho
Como é complicado ainda me olhar no espelho e ver o quanto mudei. Mudei, como se tivesse sido vitima de um tsunami, mudei de uma forma tão intensa que muitas vezes ainda fico presa dentro de novos devaneios.
Hoje, o peso das coisas mudou, eu só namoro agora se for realmente por amor, hoje só visita minha casa quem eu convido, hoje, eu que escolho, eu que ordeno, eu finalmente sou dona do meu castelo e de todas as implicações que vem com isso.
Hoje eu posso dizer sim ou não, mas ainda fumo escondida na minha varanda, ainda lavo correndo a louça antes de minha mãe chegar e por muitas vezes esqueci-me de pagar as contas na data certa ou até mesmo de trancar a porta.
Hoje eu sou outra pessoa, acho que dei uma relaxada, comecei a parar de me justificar e de me sentir culpada por devorar um pote de doce. Olho no espelho e vejo, não são apenas os cabelos que mudaram... Nem de perto consigo reconhecer a mulher que há dois meses que queria casar e ter filhos.
Hoje sou eu quem não quer mais amarras, satisfações, hoje eu quero apenas a delicadeza de meu novo cobertor azul, quero escolher com calma minhas roupas pela manhã, e inventar festas relâmpagos.
Hoje eu quero diariamente chegar a casa, tomar minha taça de vinho, conversar com alguns selecionados e dormir na minha cama, hoje eu ocupo ela inteira e sinceramente adoro isso.
Hoje eu quero o hoje, cansei de ficar presa no passado ou no futuro. Sim, hoje pela primeira vez em 31 anos eu estou me conhecendo, estou me curtindo e pela primeira vez nisso, começo a sentir a leveza.
Sim, minha casa começa a se moldar a este clima - alegre e cheia de gargalhadas. Minha casa, assim como minha alma, começam a moldar a minha vida, começo a arrumar as gavetas, liberar fantasmas e me desfazer de coisas que não quero mais ter. Simbólico, pode até ser, mas eu precisei do tsunami para entender o que é ter calma, eu precisei acabar com tudo para entender que felicidade é apenas um estado de espírito e não mais uma fotografia. Sim, a vida ensina, e você querendo ou não aprende que é o presente que importa e hoje, na minha casa, dona do meu castelo, eu deixo a louça para lavar no dia seguinte. E a vida segue, mesmo assim.