Primeiro aniversário

Estávamos felizes, planejávamos seu primeiro aninho e como a vida não é um roteiro previsível, sem mais nem menos, adoeci pouco antes. Foi tudo muito rápido: uma discussão - eram frequentes - um queijo enorme e esférico, vômitos, febre, dor, incessante dor. E entre apagões, algumas luzes passavam ligeiras. No hospital, sussurros. Ninguém se aproximava: podia ser contagioso. Só a solidariedade fraternal me acalentava. Ela em sua simplicidade e leveza me auxiliou. Segurou-me - ainda não sabia que na verdade era minha irmã. Dormi, acordei, dormi novamente. Mas sem sonhos, sem tempo. Veio a seringa e a confirmação: era contagioso. Removeram-me. Não vi ou ouvi nada. Estava sem tempo, sem espaço, quase sem vida. Três dias se passaram dentro do nada. Nada, nada. Nem luz, nem túnel, nada!

Quando abri os olhos, vi um anjo, ou melhor, um enfermeiro, médico, sei lá... Olhos azuis, bondosos, perguntou se estava bem. Desapareceu... ninguém o viu, só eu. Um homem anjo.

Acordei para a vida, para voltar a projetar seu aniversário.

Era um quarto grande, de isolamento. Havia cinco leitos, mas só eu ocupava o lugar. Os sons vinham de longe. Só na hora de mais uma picada, via alguém e com que alegria. Nunca ficara sozinha. Projetava na parede branca do quarto o bolo. Um enorme palhaço rindo, colorido. Duas semanas... pareciam dois anos. Aprendi a gostar mais e mais de doce. No final de cada dia, papai e mamãe davam um jeitinho de driblar as normas e iam me ver: passava o dia inteiro esperando por aquele encontro. Fiquei curada. Passou. Ganhei um enorme e lindo buquê de flores ao chegar em casa, mas o que mais ficou gravado foram aqueles olhinhos brilhantes e ternos que encontrei de volta ao meu lugar. Agora poderíamos, finalmente, festejar seu aniversário.

Damma
Enviado por Damma em 08/08/2010
Código do texto: T2425963
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