Sofrida recordação
Era uma manhã qualquer, num tempo de escola sem escola. Fixava-se na janela, no movimento que vinha de fora para não pensar naqueles que vinham do interior da casa. Sentia-se sufocada, assombrada. Um prelúdio para um desfecho que poderia ter sido trágico. Poderia. É... desta vez foi por pouco... escaparam... todos. Primeiro foram os sons de chutes e socos, gotas de sangue por toda a cozinha. A mulher, pequena e frágil, tornara-se alvo fácil de uma ira descabida. Não havia mais racionalidade: o homem embrutecido pelo ciúme era todo só destruição. Colocara-a no canto da parede, sem área de escape, sem dar-lhe a oportunidade de dizer palavra alguma. Empurrou-a para a sala e nem mesmo na presença de sua menina conteve seus atos. Ele transfigurado pelo ódio, a mãe pelos golpes desferidos. Uma arma no lugar errado, na hora errada. Mas desta vez os anjos ajoelharam-se junto à menininha que suplicava que não lhe tirassem a mãe. Tornou-se por decisão o escudo e a salvação. Sofrida recordação.
Tudo passou, as feridas se fecharam, mas o vídeo-tape da memória insiste em eternizar aquele sombrio acontecimento.