É sexta à noite e chove.
É sexta à noite e chove. Finalmente meu vinho resolveu fazer efeito, pela primeira vez em muitas noites, estou feliz por estar em casa, finalmente minha casa começa a fazer sentido, e sim, pela primeira vez em muito tempo eu sinto, meu coração voltou a bater. Eu que o deixei tanto tempo no freezer, pelo medo da mágoa, pelo medo de senti-lo. Agora eu o sinto com ternura.
Sei que virei comum, sim, perdi o encanto, mas pelo menos entendi que o medo que sentia era tão grande que extravasava qualquer entender, e o medo do desamparo naquele hospital só aumentou isso. Sim, nunca contei o quanto me fez mal as largas esperas em hospitais, a espera da morte e finalmente as mortes de fato. Tenho tanto medo de perder algo bom que negligencio qualquer boa experiência que tenha passado na minha vida.
Sinceramente, tinha medo, um medo tão honesto que me valeria um desabafo, uma conversa sem julgamento que me tiraria do limbo. Isso nunca aconteceu, na verdade nem sei se as pessoas conseguem ser tão honestas quando as outras demonstram suas fragilidades. Apesar de nunca admitir, muitas vezes sou apenas uma criança desamparada, não que esta fase dure, não que eu não consiga superar mas existem noites tão frias que são feitas apenas para refletirmos.
E o pior, hoje, peguei um DVD para assistir e estavam lá as fotos da Europa, de um momento tão lúdico que nem acredito que estas ficaram comigo, rezo juro que estejas feliz, que as escolhas tenham lhe dado conforto e que a vida esteja doce. Sim - doce, que a vida seja doce, que as lembranças sejam tão doces quanto a minha vida vai ser.
Não posso negar que as conversas me fazem sentir falta, mas a vida segue, e quem sabe o momento foi apenas para que eu sentisse meu coração bater de novo. Eram palpitações tão disritmias que pareciam reais, sim reconheço minha força e meu impacto, mais entre as minhas muitas caras tem uma que é quase normal, humana que sente, que se encana, que adolesce. Sabe, mas a vida segue, ontem tomei um café, um café doce, encarei um passado tão remoto que me fez sorrir, e como ele mesmo fala meu sorriso ilumina o mundo. Sim, dentro de toda a minha sinceridade, franqueza e surrealidade, eu sou apenas uma mulher normal que sofre por ver uma mãe em um leito de hospital, com uma ansiedade ultrapassa limites, e por isso acabo por destruir coisas leves, a Alice em mim se esfarela em pedaços e eu viro apenas uma pessoa.
Concordo com minha sentença, não sei se faria diferente, também não gosto da normalidade e o drama me faz mal, mas tenho minhas fases, sabe como a lua, não que estas sejam tão freqüentes e tive a carência do não ter mais, de não dividir mais, de não ter um pseudo que apenas não conhecesse a história e pudesse passar a mão na minha cabeça e dizer vai ficar tudo bem. São detalhes tão pequenos de nós dois, que contam uma quase lenda, um quase mito, uma quase realidade. Quase um conto. Um quase dia de sol em uma noite de chuva e pasme apenas chove.