Roberto, Sebastião e a Feia
Ela havia acabado de entrar no elevador, quando aquele senhor a olhou, viu-a com três livros nas mãos e disse-lhe:
- Isso é que é gostar de ler!
- Ganhei um agora e os outros dois são meus.
- Você é escritora?
- Sim.
- Posso dar uma olhada?
- Naturalmente. O senhor gosta de ler?
- Muito.
Nesse momento o elevador chegou ao térreo e os dois saíram conversando até a calçada. A seguir se despediram e quando ele já ia atravessar a rua, ela o chamou e disse:
- Algo me diz que devo dar-lhe um livro. Com ele quero passar minha mensagem: A palavra “impossível” não existe para Deus.
Ele pareceu emocionar-se e disse-lhe:
- Você acertou. Estou com problemas de saúde e precisava ouvir essa mensagem. Muito obrigado. Nunca mais vou esquecê-la.
Ela continuou seu caminho sentindo-se leve, feliz. Ia caminhando e pensando naquele encontro quando sua atenção foi atraída para dois jovens que caminhavam à sua frente.
Eles falavam num tom de voz alto e era impossível deixar de ouvi-los. De repente um deles virou-se para ela e disse:
- A senhora viu que muié feia?
Ela virou-se, instintivamente, mas viu somente as costas da mulher que acabava de passar. Sorriu, mas não disse nada. E o rapaz, animado talvez por aquele sorriso, continuou:
- Num é feia mesmu?
O companheiro retrucou:
- E u que ocê tem cum issu, Robertu?
- Nada. Só sei qui é muitu feia.
- Pára di falá bobêra, rapaiz.
- Pódi sê bobêra, Sebastião, mais qui ela é feia, é.
- Ocê nun sabi de nada, Robertu, é mio calá a boca.
- Nun é mio não. Vô falá até cansá. A muié é feia mesmu.
- Cala boca, rapaiz, ocê nun tem nada ca vida da muié.
- Nun tenhu mais vô falá. Ela é feia.
- Pódi sê feia procê, mais nun devi di sê pru maridu dela.
- Que issu, Sebastião? Caquela feiúra ocê acha qui ela tem maridu? Si tive é purquê u cara tem qui pagá us pecadu Du mundu intêru. Si eu acordassi de manhã i vissi uma muié feia daqueli jeitu era capaiz di caí mortu di sustu. Nunca vi feiúra mais feia.
- Oia, ocê tá izageranu, Robertu.
- Quarqué izagêru ainda é pôcu pra feiúra da muié, Sebastião.
Os dois continuaram andando à sua frente enquanto ela ia ouvindo-os falar. Começou a observá-los. Pareciam dois amigos que acabavam de sair do trabalho. Um vestia um macacão azul e o outro, calça e camisa bege. O de bege era o revoltado com a feiúra, e o de macacão o defensor da feia.
- Cala a boca, sô. Ocê nun tem nada mió prá falá não?
- Tenhu.
- Intão pára di falá da mardita da muié.
- Nun páru. Tô revortadu caquela muié. Ela é feia dimais da conta. Tenhu vontadi di vortá lá, oiá bem na cara dela i dizê:
- Nossa, mais cumu ocê é feia!
- I u quê ocê ia ganhá cum issu?
- Só u gostinhu di falá.
- Ocê é um besta mesmu, Robertu.
- Besta é a muié di saí na rua caquéla feiúra.
- Oia, ocê já tá mi danu nus nervu cum essa falação. É mio pará di falá.
- Só vô pará quandu chegá nu pontu di ônibus.
- Ah, mardição!
Sentiu que não ia conter o riso e se perguntava como acabaria aquele diálogo.
- Robertu, Robertu, ocê já tá passanu das midida. Nun to gostanu dissu. É mio pará.
- Nun queru pará. Aquela muié é feia, feia, feia.
Finalmente chegaram ao ponto de ônibus onde eles ficaram. Olhou para eles como se quisesse gravar para sempre aquela imagem e continuou caminhando sozinha. Enquanto isso pensava:
“Por que será que aquele rapaz se sentiu tão agredido pela feiúra da mulher? Será que ela era realmente muito feia? Por que será que muitas pessoas só enxergam o exterior?”
Meditando sobre isso chegou em casa. Foi direto para o computador, escreveu essa história que você acabou de ler e agora lhe pergunta: Você também se preocupa muito com o exterior das pessoas?
Do Livro: “Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas” – Pág. 81