TERREMOTO

A TV do restaurante noticiava: “Um terremoto matou mais de cem mil”. O rapaz suplicava no almoço, sem se alterar, "Me passe a batata frita". O outro que o acompanhava pedia ao garçom, "Tião frite uma bisteca sem ossos que minha fome está sacudindo até o outro lado do mundo!". Rapidinho o horário de almoço expirou. Voltaram ao trabalho enfastiados de comida e de notícias indigestas, contando reciprocamente quantas garotas perversas eles comeram no carnaval passado, uma forma peculiarmente machista de amainar o clima pesado. Neste ponto a TV já noticiara que o tal terremoto tinha feito quase duzentas mil vítimas, mas eles não estavam mais lá para ouvir. Trabalharam firme a tarde toda. Ao final do expediente resolveram tomar uns chopes. A TV do bar anunciava, “O terremoto desta manhã já matou mais de quatrocentas mil pessoas e os números continuam a subir”. Ficaram estupefatos. Pediram mais dois chopes e mais dois, e mais, mais... Lá pelas tantas, depois de sabe-se lá quantas alterações notificadas sobre o número de vítimas do devastador terremoto, profundamente sensibilizados, resolveram em solidariedade aos vitimados perder a conta de quantos chopes foram entornados.