ENGUIÇO

Estou meio pirado. Já são 9h e ainda não fumei nenhum cigarro. Mas pensando bem é melhor nem fumar. Pois ontem à noite entrei em parafuso e fumei três carteiras. Também este barulho que entra pela janela me deixa maluco. Aliás, não há mais uma janela porque ontem joguei por ela a droga do telefone que não tocou. Restou apenas um grande retângulo com cacos de vidros. Em seguida bateram à porta. Fui abrir. Era um cara alto e feio e para minha surpresa ele estava com meu “telefone que não tocou” na mão. A porcaria tinha caído nele. Então começou a me ofender, peguei o aparelho da sua mão e fechei-lhe a porta na cara.

Depois de uma hora olhando o vazio e pensando no nada, resolvi descer para comprar cigarros. O dia estava tão bonito que me fez sentir uma tontura insuportável. Lembrei que ainda não havia comigo nada e já eram 12h. Quando entrei na padaria percebi, a julgar pelos olhos da menina, o quanto minha aparência estava ruim. Ela estava sentada no balcão e balançava as perninhas no ar. Mas ao me ver, franziu as sobrancelhas e depois apontou em minha direção, batendo no ombro muito magro. O homem veio me atender. Enquanto a menina me olhava. O medo refletido naqueles olhos fez-me sentir um lixo. Que vergonha! Peguei o maço de cigarros e saí de cabeça baixa para não causar mais dores.

Voltei ao apartamento, preparei um drink e deitei na sala. A rua estava deserta, tentei relaxar mas foi impossível por causa do barulho que entrava pela janela quebrada. Levantei-me então para tentar fechá-la com uma toalha de banho. Percebi que a rua estava deserta, exceto por algumas crianças que corriam gritando de um lado para o outro e de um homem que me fazia gestos desagradáveis. Era o cara atingido pelo telefone. Ignorei sua falta de educação e saí da janela.

Fui acordado no final da tarde pelo toque do telefone. Será que é? Pensei enquanto corria desesperado, esbarrando nos móveis, para atender. Era minha mãe. Conversou mais de 30 minutos, sem dar pausa para eu poder gritar de desespero. Fui tomado por uma sensação horrível: por que as mães se sentem no direito de fazer isso com os filhos? De encher-lhes os ouvidos a qualquer hora? Sem muito esforço, encontrei as respostas. Quando finalmente terminou de se lamentar, não tive forças para dizer nem tchau e desliguei, deixando o tch-au pela metade. Senti vontade de voar, mas voar bem alto. Porém, mudei de idéia quando imaginei mamãe no meio da rua olhando para cima e gritando meu nome. Seria mais seguro tomar um drink e foi o que fiz. Como estava cansado, acabei adormecendo com o copo na mão.

Acordei tarde com muita dor de cabeça, e meu corpo também doía devido à posição incômoda no chão frio. Meu corpo estava tão gelado que achei ter até morrido. Sensação que durou pouco, pois o céu nem de longe se parecia com a bagunça que se encontrava meu quarto.

Fui ao banheiro e percebi que meu dia iria ser novamente infernal. Cortei-me ao tentar fazer a barba, fiquei nauseado quando escovei os dentes e acabei me assustando ao ver o reflexo de um vampiro no espelho: o vampiro era eu. Quando saí do banheiro vi no relógio do corredor que já eram 13 horas. Resolvi comer alguma coisa. Passei manteiga em dois pedaços de pão e coloquei-os na torradeira. Foi quando ouvi o toque do telefone. Desta vez fui caminhando bem lentamente porque poderia ser minha mãe. Atendi cheio de receio. Não era mamãe, era meu chefe e era segunda-feira. Entrei em pânico, mas reuni um resto de consciência e acabei dizendo: “Você ligou para 222-6252. No momento não posso atender, após o sinal deixe seu nome e número do telefone, obrigado – piiiiiiiiiiii”. Achei a situação até engraçada e já começava a dar gargalhadas quando vi uma fumaça preta saindo da cozinha. Corri para apagar o fogo, depois joguei meu pão no lixo e também a torradeira.

Tive que ir à janela para respirar. Arranquei a toalha e me surpreendi. O sol estava brilhando e o vento trazia um perfume intenso de vida. Permaneci um bom tempo olhando as pessoas que passavam. Cada uma delas com seus estilos, manias, alegrias e problemas. Pensei no mar e no quanto seria agradável um bom mergulho. Vesti uma roupa leve, peguei minha mochila e saí. Quando fechei a porta e me afastei um pouco escutei o telefone tocar. Meu coração estremeceu. Talvez fosse a pessoa com que desejei falar nesses dias, mas isso já não tinha tanta importância assim.

Adriana de Castro
Enviado por Adriana de Castro em 31/07/2010
Código do texto: T2410049
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