Cinzel
No lugar ermo da caatinga que lembra o fim do mundo, a argila é arrancada a golpes de picareta pela mestre Bissinha e recolhida pela discípula. Aos poucos se avoluma em dois recipientes: uma lata de querosene "Jacaré" e uma outra menorzinha, outrora embalagem de manteiga do programa americano "Aliança para o Progresso", cuja estampa retrata o aperto de mão imperialista, recebido de bom grado pelos miseráveis do terceiro mundo.
No caminho de volta, o sol cozinha a pele, desidrata a carne e as bordas esgarçadas das latas lanham as pequenas mãos, enquanto as rodilhas de molambo inutilmente tentam cumprir a tarefa de minimizar a pressão da carga.
Mas o quão insignificante é a fadiga diante da iminente recriação do mundo a partir do barro, num longo processo de onde emanam as criaturas e consagram artistas e futuros mestres?
Arte rende fama e fortuna, que a pequena discípula usufrui de forma justa: compra na bodega, um quilo de bolacha seca embrulhado em papel pardo (um banquete no café da manhã com seus irmãos); uma barra de chocolate que à primeira mordida se revela um tablete de tempero; e uma pulseira de fantasia, tempos depois esquecida na caixa do medidor de luz, o cofre da antiga moradia.