DONA DE CASA RECICLADA

Ela acordara bem cedo, com os pássaros cantando em sua janela, e o sol escondido atrás da veneziana fechada. Que dia da semana é hoje? Bom, era melhor correr.

A filha tinha que ir para a faculdade, a outra para o cursinho. Serviu o café da manhã e entre bocejos e sorrisos acompanha as filhas até o carro na garagem, abençoa as meninas e se despede com um beijo.

A mesma frase volta à sua mente: o tempo voa! Melhor correr!

Advogada de profissão e dona de casa por mero acaso, ela se mudara para o bairro há alguns meses e ainda não se habituara ao ritmo da coleta de lixo, nem se acostumara a ser exclusivamente “do lar”.

Ela sentia- se meio perdida no tempo desde que resolvera se dedicar somente às tarefas da casa, se embananava com os dias da semana e se confundia com os dias do mês no calendário. Mas acreditava que faria progressos, só de estar junto das filhas valia qualquer sacrifício. Se bem que enfrentar a correria do fórum, audiências com desfechos inesperados era bem mais interessante, ainda mais que seu lema sempre fora, MELHOR UM BOM ACORDO QUE UMA BOA DEMANDA.

Ela sai do devaneio e volta para a realidade: O LIXO.

Meu Deus será que hoje passa lixeiro? Ela acha que não, ou melhor, sabe que o caminhão passa três vezes na semana, só não consegue memorizar os dias. Mais fácil memorizar os prazos processuais.

Corre limpar a casa, organizar a cozinha para o almoço. Ai, que barulho é esse? O caminhão coletor de lixo... Corre na rua, grita para o caminhão:

- espere um pouco, por favor!

Volta correndo trazendo os sacos amarrados.

Ela pergunta: - Que dia mesmo vocês passam? O Motorista educadamente pela milésima vez repete os dias que o lixo é recolhido.

Ela agradece e corre de volta para as tarefas.

A semana voa, ela correndo com o serviço. Pela manhã os passarinhos a acordam, ela serve o café, abençoa as filhas, e volta a dúvida cruel, será que o lixeiro passa hoje?

Ela prepara o almoço, quando um barulho ensurdecedor a tira da melancolia da empreitada. Simultaneamente ela ouve o interfone tocando sem cessar e uma buzina de caminhão e gritos de homens na porta da casa. Ela sai em disparada e se depara com o motorista do caminhão do lixo buzinando enquanto os coletores tocavam o interfone e gritavam a plenos pulmões: LIXEIRO, LIXEIRO, LIXEIRO!

Hoje ela acorda com os passarinhos e continua correndo com as tarefas domésticas, mas nunca mais esqueceu o dia que o lixeiro passa.