Da ponte pra cá

Em meio a uma viagem a trabalho, aproveito o tempo livre para conhecer os costumes locais, os lugares, a gastronomia, vinhos e também para observar as pessoas. As grandes metrópoles sempre me inspiram, existe muita vida, pessoas de todo canto, vários costumes e línguas que se somam resultando em algo que impressiona. Caminhando com minha câmera sobre uma ponte que atravessa toda a cidade, paro e observo cada ponto, sobre ela tenho uma visão ampla sobre tudo o que existe ao redor, a lente capta cada cor, cada movimento, cada momento e um em si, acaba me chamando mais atenção, a ponte, eu não sei se intencionalmente ou não, parece separar duas realidades distintas que existem ali na cidade, onde de um lado, a imagem que capta o grande centro da metrópole, onde as luzes tomam conta, onde estão os grandes comércios, os grandes edifícios que se destacam e arranham os céus, o lado mais nobre da cidade, vamos dizer assim, já do outro lado, uma realidade totalmente oposta, sem muitas cores, quase que uma imagem em preto e branco, cheio de casas aglomeradas e feitas de madeira, uma parte da cidade que parece ter sido esquecida. Enquanto a lente captava tais diferenças, senti duas cutucadas em minha cintura, um rapaz de boné e camisa listrada parou ao meu lado, olhou para minha câmera e perguntou se podia ver. Confesso que achei que ele fosse me assaltar, então entreguei a câmera já imaginando tal realidade, mas acabei me surpreendendo, ele observou a câmera com uma expressão de admiração dizendo adorar fotografia, mas que não tinha condições de comprar uma, e que procura mostrar suas visões a sua maneira, ele então me levou para uma realidade ali próxima, no objetivo de me mostrar o teu trabalho. Minha visão capta vários rapazes vivendo suas artes, pessoas dançando em meio a musica de um DJ usando discos de vinil, outros rapazes jogando basquete, quase como uma tribo onde cada um vive sua arte. Seguindo o ponto onde o rapaz me indicou, pude ver um retrato pintado na parede à base de spray, a imagem da cidade reconstituída de uma forma como ele gostaria que fosse verdade, os traços, as cores, o desenho em si era perfeito, uma obra de arte, confesso que fiquei muito impressionado. Ele então enquanto caminhávamos, foi me mostrando o trabalho de todos ali, tudo me fascinava, os teus trabalhos eram ótimos e eu então sugeri que ele fosse mais a fundo e que mostrasse os teus trabalhos em telas, pois isso iria lhe trazer condições melhores e foi então que ele me disse:

“Não sei ate que ponto o lugar onde nascemos e vivemos, ou até mesmo com quem andamos ou com quem crescemos, pode vir a definir quem somos hoje ou quem seremos em um futuro próximo. Pensar no futuro pode ser assustador, isso quando se vive em uma realidade onde não nos permite sonhar, onde não nos permite ver nada além do que nossos olhos podem ver e embora seja uma realidade, às vezes gostaria que fosse um sonho, que na verdade seria um pesadelo. Às vezes me pergunto como seria poder acordar de um pesadelo assim, onde eu gostaria de estar, com quem ou como, mas sei lá, apesar de nada por aqui ser fácil, eu gosto do que vivo, do que sinto, do que sou. Sonhos só servem para fugirmos da nossa realidade e são a prova de que o real não nos agrada, já eu prefiro viver o que sou e viver cada momento e se eu tiver que viver algo bom, então que não seja através de um sonho, que seja em algo construído em meio a minha realidade. Seria muito bom morar do outro lado não vou negar, mas o que eu quero mesmo, é que a ponte seja apenas um caminho entre duas boas realidades e que da ponte pra cá, a realidade passe a ser outra, pois aqui vivem muitas pessoas boas, que batalham no dia a dia procurando sempre o melhor. Meu trabalho é de alguma forma tentar dar vida a isso, em minha arte procuro mostrar o que espero não só para mim, mas para todos os que foram esquecidos aqui”.

Aquilo mexeu comigo, em meio a tantas reflexões, fiquei observando as tuas pinturas que atravessavam a ponte, os teus traços e cores me fascinavam, teus objetivos eram nobres, quase como de um líder, ele só queria que todos vissem uma realidade diferente, e que era sim possível se tornar real. Impressionado, olhei para ele e lhe entreguei a minha câmera, um presente que achei valido lhe dar, ele então apertou minha mão e sobre a ponte, sonhos e realidades de um alguém que realmente se preocupa, que realmente merece respeito por lutar por aquilo em que acredita em busca de um algo melhor para todos.

Cresceu em meio ao tudo,

Mas um tudo que nunca lhe deu nada.

Ele viu, ele viveu, ele sentiu, ele tremeu,

Ali cresceu e a experiência lhe foi valida.

Filho da vida, largado no mundo,

Perdeu a inocência logo cedo.

Viveu a dor, viveu sozinho,

Mas nunca viveu com medo.

Sempre quis ser grande,

Ir além dessa realidade onde cresceu.

Conquistar mesmo que sozinho,

Os sonhos que ninguém nunca lhe deu.