Autobiografia de Qualquer um

Hoje eu não sou quem eu queria ser. Ou melhor, há dez anos eu não me imaginaria do jeito que sou hoje. Mas quer saber? Eu prefiro assim.

Meu nome? Bom, não é meu nome que eu quero lhe contar, e sim a minha história...

Quando eu era garoto, sempre me senti diferente dos demais, superior, como se o mundo em que eu vivia fosse diferente, sem aquelas alegrias bobas, típicas da infância.

Eu queria crescer logo.

Não tinha amizades, porque além de não confiar em ninguém, odiava a idéia de ter algum vinculo com quem eu achasse inferior. Então desde pequeno eu formava alianças, sim alianças, cada uma pra um tipo de necessidade egoísta que eu viria a ter. Eu sabia o que falar, como agir, tudo pra ser um coitadinho na hora certa e um pequeno líder quando precisassem.

E assim eu fui crescendo...

Passei pela adolescência quase que no “piloto automático”. Planejei tudo o que iria fazer, cada passo para mudar de vida e mudar do buraco que eu chamava de bairro. Não que fosse um bairro ruim, pelo menos para as outras pessoas não era, mas eu sentia que ele me sufocava, era como se eu estivesse me afogando na lama. E eu não seria mais um afogado, um simples servente ou faxineiro , eu não, não sendo tão superior.

Então sem muito esforço (Bajulando, traindo, namorando a pessoa certa), eu subi na vida.

A vida a partir daquele momento era carros importados, viagens, roupas de grife e as mais belas mulheres que o dinheiro pode comprar.

Eu finalmente tinha crescido...

Mas logo percebi, que quando se chega a um objetivo tão egoísta, ao invés de felizes ficamos decepcionados (pelo menos eu fiquei).

A tal felicidade que eu buscava tanto não estava lá, não estava no meu grande apartamento, muito menos nos belos carros e caras mulheres.

A minha sensação de triunfo deu lugar a uma enorme confusão. Eu tinha conseguido tudo. Mas e agora? E agora?

Então comecei a pensar em tudo o que eu tinha. E vi que não tinha nada além de uma quantia enorme de papéis que tem o mágico poder de comprar o mundo. Mas eu não tinha com quem compartilhar. Não tinha amigos, ignorava minha família (que também me ignorava), não amei ninguém a não ser eu mesmo e tinha certeza de que, pelo menos naquele momento, ninguém me amava.

Busquei lembranças sinceramente felizes em toda a minha vida, e não encontrei nada muito diferente do eu era, nem na infância.

De repente a realidade caiu em cima de mim como um balde de água fria.

Naquele momento eu vi todos os que eu menosprezei e ignorei rindo de mim, e indagando sobre a minha superioridade. Não suportei aquilo por muito tempo. É difícil ter todas as suas ilusões quebradas tão repentinamente, e ter seus ideais rasgados como papel velho.

Então eu tentei me matar...

Sabe o que é estranho quando se tenta o suicídio? É que não tem como saber se deu certo ou não, porque eu não sabia como é morrer e aposto que muita gente também não sabe.

Quando eu apaguei devido à quantidade de veneno que eu havia tomado logo pensei, “Deu certo”. Mas aí eu me dei conta de que ainda estava pensando, logo não poderia estar morto. E totalmente confuso quanto a minha mortalidade comecei a sentir dores terríveis. Eu só queria morrer. Encontrar a paz ou algo do gênero. Sabe, luz no fim do túnel, parentes que já se foram até estar no inferno seria melhor do que ficar na dúvida e sentindo dores intermináveis.

Mas eu acordei...

Pois é eu não morri, e para a minha surpresa eu acordei em um leito de um hospital publico, (sempre detestei planos de saúde), ao lado de um senhor idoso que parecia estar nas ultimas.

Meu estomago ainda doía reclamando do veneno, e não foi surpresa para mim quando percebi que ninguém tinha ido me visitar, bem diferente da família do senhor ao meu lado que o visitava freqüentemente . E quando a minha dor física acabou a emocional foi muito pior. Por que me salvaram? Pra que? Para me abandonarem como abandonei a todos?

Perguntas como essas me perturbaram tanto que eu já não agüentando mais chorei. Acho que foi o primeiro choro sincero da minha vida. E vendo-me ali, naquele estado deprimente o senhor ao meu lado perguntou o porquê de tanto sofrimento.

Nos primeiros dias eu resistia, não dizia nada ou respondia de forma grosseira. Mas a preocupação dele foi tão sincera que eu cedi. E como ima criança soluçando no colo da mãe eu despejei toda a minha angustia, história, e sofrimento no estranho senhor que pacientemente ouvia a tudo com atenção.Quando terminei, já esperava a reprovação do meu ouvinte. Mas ao invés disso ele disse palavras que eu nunca vou esquecer:

“Meu filho, tentar apagar o passado torturando-se com o arrependimento é uma atitude que muitos cometem erroneamente. O tempo é como um grande rio, indomável, seguindo sempre o seu curso imutável rumo à eternidade. Não podemos mudá-lo, mas sim aprender em suas sábias águas a seguir, mesmo que tarde o rumo certo.”

Aquelas palavras me mudaram. É incrível como algumas palavras mudam a vida de uma pessoa.

Nos dias que se passaram eu fui aprendendo com aquele senhor doente, valores que até então eu desconhecia. Valores como família, respeito, amor e caridade ganharam pra mim uma dimensão muito maior do que eu imaginava. Mesmo após a minha recuperação eu continuava a visitá-lo com uma freqüência quase que religiosa. O meu corpo estava curado mas a minha alma precisava de tratamento.

Eu o visitei todos os dias até o dia em que ele deixou esse mundo.

A única palavra que consegui dizer em seu enterro foi “obrigado” .E então finalmente eu cometi suicídio.

O que eu havia sido tempos atrás deixara de existir com um nascimento de um novo “eu” .

Um “EU” que agora espera ter reunido força o suficiente para seguir no rumo certo, no rio do tempo.

RUMO À ETERNIDADE.

Phelps Holland
Enviado por Phelps Holland em 28/07/2010
Código do texto: T2404712
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