Dádiva Divina
Dádiva Divina
A manhã nascia brumosa e fria, o último galo já cantou, Guerreiro levanta-se sem alarde para não acordar a mulher grávida de oito meses, o vento uiva lá fora e invade as frestas do barraco ínfimo, apanha com cuidado o filho do berço carcomido e coloca-o junto à mãe. Lava-se, engole o café frio rançoso da véspera, abre a porta e sai.
Entrando no galpão onde colocava os bichos, vê seu companheiro e melhor amigo morto no chão, Tostado era seu nome. Todas as manhãs montava nele, e os dois iam desbravar os campos molhados pelo sereno. E agora não haveria mais aquilo, a morte havia tirado sua alegria dos amanheceres.
Guerreiro chorou. A principio, ele ergueu a cabeça, olhou o teto do galpão e chorou calmamente. Logo, porém, uma espécie de bola de raiva, desamparo e perplexidade pareceu crescer em seu peito até explodir na garganta. Como ele iria trabalhar, sustentar a esposa grávida e o filho pequeno sem o auxílio do burro?
- Merda! – pragueja, entre soluços – Merda! – repetiu.
Deus o havia abandonado, em definitivo.
Não havia condições de fazer uma libação para seu Deus. Se tivesse um animal, qualquer animal vivo faria o sacrifício ali mesmo, rogando à divindade condições para trabalhar.
Acabou por oferecer o burro morto como oferenda.
A divindade, estarrecida pelo grande desespero de Guerreiro, mandou como dádiva um belo cavalo branco. O formoso animal aproximou-se de Guerreiro. Esse, tão agradecido, faz uma nova libação, mas desta vez com um animal vivo, o belo cavalo.