SÉRIE: MULHERES DO BRASIL - A COBIÇADA
Depois de quase duas décadas, andei de trem pela segunda vez. Queria ganhar tempo; encurtar distâncias. E a receita do jornaleiro no centro da cidade do Rio de Janeiro fora certeira: “Pegue um trem na Central do Brasil!”
Foi o que fiz. Comprei um bilhete do metrô integrado com o trem. Parti, em seguida, para minha aventura. Queria chegar a Paciência com pressa, contradizendo o nome da estação. E lá estava eu naquele vagão lotado, segurando do jeito que dava, tentando equilibrar-me a cada sacolejo sobre os velhos trilhos.
Pois foi lá naquele contexto, em meio à gente estranha e situações desconcertantes, que divisei uma linda menina, morena do meu Brasil, beldade da juventude. Percebi logo ser ela a preferida da rapaziada. Nunca vi uma mulher sendo tão cobiçada como aquela.
A cobiçada, que depois soube chamar-se Indhyara, era uma garota normal, corpo bonito, cada detalhe no seu lugar, mas nada que pudesse ser considerado excepcional. Rosto bonito, lábios bem torneados, cabelos encaracolados, formando cachos sinuosos que emprestavam uma leveza alegre ao seu andar. Garota interessante, mas nada que fugisse à média da beleza feminina brasileira. Devia ter seus dezessete anos.
Duas questões marcavam uma diferença em favor de Indhyara naquele momento. A primeira era a forma sensual com que se apresentava. Trajando uma calça jeans com o cós baixo e uma blusa curtinha de elanca, Indhyara deixava à mostra uma barriguinha estilo tanquinho, bem enxuta e sensual, e deixava entrever um lindo par de seios que despontava em forma de pêra debaixo da blusa.
Além disso, naquele cenário árido de beleza feminil, Indhyara reinava absoluta. Todas as outras mulheres, jovens e senhoras, eram barangas horrendas diante dela. Não concorriam nem de longe com a sua beleza.
Quando a descobri, foi por indicação dos ávidos olhares dos machos inquietos, que não se cansavam de olhar em sua direção. E de tanto olharem. E de reincidirem na olhadela. E por tais olhares emitirem chispas de desejo. A olhei também. E porque olhei, vi: lá estava uma linda e sensual mulher, sendo cobiçada por homens cujo desejo não estava cativo.
O mais incrível é que a achei muito tranqüila no meio daquela turba. O assédio era grande. A libido da rapaziada estava em polvorosa. E ela ali, naturalmente, administrando o interesse dos machos por seu corpo, de uma forma discreta e natural.
Deixe estar que os tempos agora são outros. Tanto a Companhia de Trens Urbanos quanto a de Metrô já definiram e até inauguraram com grande propaganda, os famosos vagões rosa, aqueles destinados apenas à utilização das mulheres. Mas não era o que via naquele momento. Talvez por haver um horário específico para isso ou mesmo por conta do excesso de passageiros e pela incapacidade de atendimento da demanda, o fato é que ela estava ali, naquele vagão misto, linda e soberana, a chamar a atenção sobre si.
Em princípio me senti atraído apenas pela elucidação do enigma: “o que a moçada está olhando?” Depois, também sofri do encantamento que acometera os demais. Porém, como sou observador arguto e porque minhas incursões pelos tipos humanos rendem matéria para o desvendamento psíquico social do brasileiro, mormente da brasileira, pus-me de antenas ligadas. E foi aí que descobri mais.
Além dos rapazes encantados pela beleza da moça, havia um cujo encantamento fora total, mágico, transcendental. Ele vira na morena não apenas uma beleza para os olhos, mas um sabor para os lábios, uma sensação para o toque, uma música para os ouvidos, um perfume para o prazer. Estava possuído pelo desejo e quanto mais se deixava embalar pela sedução, mais se aproximava da pequena, sendo acobertado pelos passageiros que começavam a abarrotar o trem.
Sua mão boba deslizava sutilmente pelo braço da garota; os cotovelos roçavam o biquinho dos seios dela, enquanto ele fingia ajeitar-se com mais segurança para não cair ante os solavancos do trem; seu corpo afogueado na paixão avassaladora comprimia a bunda da moçoila enquanto lá fora o trem apitava pedindo passagem.
À medida que o trem zarpava veloz, o rapaz ia ficando mais ousado e abusado, chegando até a experimentar um roçar de lábios na nuca desprotegida da menina, enquanto os seus cabelos voavam ao léu.
Comecei a ficar incomodado com aquela situação. Mas, ao que parecia, ela não estava se sentindo importunada. De certa forma era conivente com os arranjos do garanhão, pois se encolhia ou aconchegava-se ao sabor da velocidade do trem e das investidas do moço. Fiquei a me perguntar se outros circundantes não estavam vendo o que eu via, mas, com a discrição do don juan de ocasião, ao que parece não.
A menina era realmente muito linda. E o que tinha de linda tinha de safadinha, pois estava entrando no clima de sedução e prazer que o trem lotado propiciava. Sua beleza era objeto de cobiça dos homens no trem. Foi cobiçada ao extremo e a investida do cara que estava próximo dela era somente a expressão do que todos gostariam de estar desfrutando naquele momento.
Confesso que também a desejei. De onde estava, uma posição privilegiada, cheguei a contemplar o reguinho de sua bundinha, sobressaindo-se de entre a calça de cós baixo. Ela era pura sedução. Invejei o rapaz que estava no seu encalço. Não sei se outros marmanjos também a cobiçaram tanto quanto eu, mas o fato é que a menina tornou-se o centro das atenções naquela tarde calorenta de janeiro no subúrbio do Rio de todos os meses do ano.
Se invejei o cara por longo trecho da viagem, me senti vingado com o desfecho que estava por acontecer. Quem já andou em trens suburbanos no Rio de Janeiro sabe que a sensação que se tem em tal ambiente deve ser a mesma de sardinhas enlatadas. Para descer numa ou noutra estação, tem-se, muitas vezes, que disputar espaços de locomoção para alcançar a porta lateral e evadir-se intacto do trem. Está é uma experiência meio que traumática, ainda mais quando se é calouro na coisa e cai-se na esparrela de ouvir algum gaiato te mandando para o lado oposto de onde vai abrir a porta de sua estação: só se consegue vencer a turba, lutando, literalmente, para chegar-se ao outro lado.
Pois o marmanjo usurpador do prazer alheio estava tão envolvido com a pequena mais cobiçada do planeta, e as centelhas de prazer fugaz que ela lhe proporcionava, que não se deu conta de que não estava posicionado para descer do trem. E o pior é que ele estava atrasado para alguma coisa, pois, quando ouviu o anúncio da estação e, ato contínuo, viu a porta abrindo-se, lutou tanto para conseguir chegar ao ponto desejado de desembarque que tropeçou num pé qualquer e caiu de cara no chão.
Ri de escangalhar com a desdita do pobre coitado; mas, olhando para a cara de sarcasmo e ironia de um rapazote que estava postado à beira da porta, descobri que o tombo não tinha sido fortuito, mas proposital. Era a vingança coletiva do trem pela inconveniência do abusado rapaz que cercara a moça de tudo quanto é jeito. E a gargalhada foi geral.
Ficamos felizes, eu e tantos outros, quando percebemos o trem já mais aliviado de gente, e a fresquinha menina disponível aos nossos olhares gulosos. E a cobiçada não se fez de rogada. Recompensou-nos a todos com seus encantos feminis.