CONTOS AVULSOS - O AVARENTO

Da série CONTOS AVULSOS

Toninho era o apelido daquele sujeito , aliás como quase todos os batizados de Antonio Carlos são chamados , e tornou-se muito conhecido na cidade , desde as épocas de estudante – esforçado e dedicado – obtinha as melhores notas da turma e cresceu meio que isolado do restante da turma.

Nunca teve grandes amigos e jamais compartilhava sua merenda ou dividia seus pertences. Na juventude namorava pouco e as meninas não se sentiam atraídas , não em razão de sua aparência, pois Toninho até que era “bem desenhado”, mas porque era anti-social e jamais convidava as gurias para dividir um refrigerante ou mesmo uma simples guloseima.

Na conclusão do ensino médio foi , disparado , o laureado e o aluno mais enaltecido pelas Irmãs religiosas que dirigiam o educandário e que arriscavam dizer que ele seria aprovado facilmente no vestibular, sem necessidade de cursinho preparatório. Não deu outra ! – A profecia das freiras logo se cumpriu e Toninho foi aprovado de primeira no vestibular de Ciências Contábeis da Universidade Federal.

Dizem que na Universidade foi morar na Casa do Estudante e que transformou seu alojamento numa espécie de armazém, onde vendia de tudo , desde biscoitos , cigarros , chocolates e até cigarros para os outros acadêmicos que viviam em estado de constantes limitações . Com um detalhe: - as vendas eram fragmentadas , assim , ele abria uma carteira de cigarros e vendia por unidade, fazendo o mesmo com os biscoitos recheados e os chocolates. Dizem que jamais consumiu uma única unidade de seu “estoque”. Comia só o que era fornecido no RU ( Restaurante Universitário ) e passava o resto do dia a pão e água.

Os anos passaram rapidamente e Toninho voltou para a cidade graduado, abrindo seu escritório e assumindo como “guarda livros” de muitas empresas e pessoas. Para não perder as noites arrumou uma vaga como professor na escola das freiras, onde lecionava matemática e não dispensava as cátedras de OSPB ( Organização Social e Política Brasileira) , tudo a bem de alguns volumes a mais na conta bancária.

Prosperou rapidamente e adquiriu um Fusca , primeiro carro dos emergentes naqueles idos tempos , mas logo percebeu que o gasto com combustível e manutenção era muito elevado, de modo que o veículo permanecia mais tempo na garagem e ele cumpria sua jornada a pé . Vez por outra oferecia seus préstimos com o carro para transportar doentes ou dar caronas a idosos, mas – é claro – mediante o abastecimento da máquina .

A fama de miserável que era incipiente foi se consolidando e Toninho estava já consagrado como um “mão de vaca” padrão – um clássico avarento – que era capaz de renunciar a todos os prazeres da vida em nome da contemplação do dinheiro . Os anos passavam e nada de Toninho namorar . Era uma rotina só : trabalhar e guardar .

Já maduro, Toninho acumulava vários imóveis alugados que “engordavam” sua renda mensal , mas não obstante isso suas atividades diárias aprofundavam cada vez mais seu conceito de “miudeiro” , pessoa mesquinha , e foi mais ou menos lá pelos seus quarenta anos de idade que começou a praticar alguns atos que pendiam entre o hilário – o cômico – e a própria tragédia humana .

Após as refeições – geralmente degustada em casas de parentes ou amigos – ele perambulava pelas agências bancárias da cidade , onde tomava o cafezinho de graça e assistia ao noticiário do meio dia na TV das Lojas. Ao entardecer buscava seus conhecidos nos bares e botecos de “Happy-hour” , onde invariavelmente bebia alguma taça a convite dos constrangidos parceiros. Aos poucos tornou-se motivo de chacota dos garçons, pois sentava-se para assistir os jogos de futebol ao vivo na TV, mas não pedia sequer uma garrafa pequena de refrigerante. Com o apito final do árbitro levantava e ia embora.

O fato mais constrangedor na história do avarento Toninho ocorreu quando uma de suas inquilinas , bastante intrigada com um fato estranho , contratou uma pessoa para cuidar de sua casa enquanto ela e seu esposo trabalhavam, pois vinha notando que faltavam gêneros alimentícios em sua cozinha e ela tinha certeza de que não os havia consumido.

Dizem que o episódio quase virou caso de Polícia, mas que lá pelo meio da tarde, Toninho – que era o dono do imóvel – entrou na residência e foi para a cozinha com uma naturalidade impressionante. Aqueceu a água, preparou um café e recheou um pão de trigo com generosas camadas de manteiga caseira – queijo mussarela e presunto fatiados – deliciando-se com o lanche...

Ao ser flagrado fugiu desesperadamente rua à fora e no dia seguinte, assinou um acordo com o casal de inquilinos que entregou o imóvel recebendo uma indenização paga por Toninho com os olhos encharcados de lágrimas. Com o “estouro” os vizinhos criaram coragem e contaram que eram comuns as visitas de Toninho ao imóvel . Ele mantinha cópias das chaves e costumava fazer seus lanches na casa de seus inquilinos.

Depois desse episódio que consolidou sua fama , Toninho passou a perambular pelas ruas como atordoado, sendo evitado pelas pessoas e seus imóveis tornaram-se indesejados pelas imobiliárias, pois mesmo com preço de aluguel menor, por óbvios motivos , ninguém queria locá-los .

Só era bem recebido nos bancos, porque suas contas bancárias eram muito disputadas e , à “meia boca” se ouvia dizer que era dele a maior reserva de dinheiro vivo da cidade . Solitário, envelheceu mal visto e sendo rotulado de “doente” por alguns e , por outro lado, cercado por aquelas sempre presentes “almas de corvo” , que estudavam uma maneira de “entrar” na sua fortuna ...