O homem do radinho de pilha
Seu Francisco levantou atrasado. Procurou, com os olhos, a pasta azul que contem todos os seu documentos. Estava ali, a sua espera, sobre a mesinha. Chamou por sua mãe, uma velha senhora que entrou carregando um punhado de comprimidos e um copo com água, engoliu os remédios. Tomou banho , penteou os cabelos com cuidado exagerado, escolheu uma camisa de listras azuis, com a mão em concha derramou alfazema que espalhou nos pescoço. Abraçado a pasta foi com sua mãe ao banco receber a pensão do governo. Passava pouco das dez horas, o banco já estava cheio. Na fila aguardava, um desconhecido bateu em seu ombro e perguntou se precisava de alguma ajuda, ele recusou e agradeceu. Levou mais de hora para chegar sua vez. No caixa sacou todo o valor conferiu duas vezes e depois dividiu em montes, pediu ao moço do caixa três envelopes onde escreveu : remédios, pão e leite e mãe. Colocou o dinheiro em cada um deles deu bom dia ao moço do caixa e saiu de braço dados com a velha senhora.
Seu Francisco é um fumante compulsivo, na rua esta sempre a procura de guimbas de cigarros, tem certa consciência de sua debilidade. Recusa parar de fumar. Passa o dia inteiro na rua olhando os carros e pedindo dinheiro. Carrega um radio de pilha que fica ligado fora de frequência.
Deixou o banco de braços dados com a velha senhora, na mão direita segura o rádio perto do ouvido. A velha senhora falava sobre ele se cuidar, aprender a tomar os remédios sozinho, afinal ela já estava bem idosa e logo ele ficaria sozinho. Dobram a esquina e uma moto apareceu, passageiro e piloto. O sujeito pulou e anunciou o assalto com arma em punho. A pontou para a velha e pediu os envelopes. A velha mandou que ele corresse, mas seu francisco não correu. Ficou ali para sem entender direito o que fazer, sabia da importância dos envelopes. O sujeito gritava ordenando que lhe entregasse o dinheiro, Seu Francisco começou a gritar algo que ninguém entendia, era como se falasse em outra língua. O piloto da moto percebeu que a situação perdera o controle, chamou o outro assaltante para irem embora, ele disse que não então o piloto partiu deixando pra trás. Em pouco tempo a gritaria se estendeu, um homem gordo no ponto de ônibus dizia para ele entregar o dinheiro enquanto se abaixava, uma mulher com uma criança de colo rezava o terço, um casal de namorados gritava pega ladrão. O rádio no volume máximo segurava junto ao ouvido. Até que a arma disparou um som ensurdecedor parou o tempo. A velha que não dera uma só palavra estava caída no chão. O olhos abertos e congelados. O ladrão tentou fugir, mas foi surpreendido com uma dor lancinante, era o rádio que se espatifava em sua cara. Sentiu gosto de ferro em sua boca , novamente o rádio chocava-se e mais uma vez e mais uma vez. Via Seu Francisco embaçado com os olhos embebidos de fúria. Suas pernas dobraram-se e ele foi ao chão. Não tinha mais rádio, não tinha mais velha senhora, não tinha mais assaltante.
Ainda se vê Seu francisco tomando conta de carros na rua, ganhou um rádio novo. Sempre fumando e pedindo um real. Dá última que que o encontrei me pediu um real, disse que estava sem moedas. Com o rádio no ouvido e riu e disse:
- serve cheque.