O ASCENSORISTA NOVATO
 
 
Ninguém podia dizer que Jonilson não tinha ao seu dispor uma boa refeição. Acaso não tinha ela os nutrientes básicos de uma boa alimentação? Pois ali estava o carboidrato, a proteína, sais minerais e as vitaminas!
Afinal uma simples, mas completa “bóia”.
Ocasionalmente, ali estava, à sua frente, o que a sua posição sócio-econômica conseguira pôr em sua mesa.
Jonilson, que estava prestes a se apresentar no recente emprego, olhou com antipatia rumo ao pequeno fogareiro sobre a mesa. Nele, repousava amassada panela de alumínio, meiada por água, onde cozinhara os ovos e as batatas doces pela manhã.
Rogou uma praga na situação, desviando o olhar da frugal refeição em busca de algo mais apetitoso. Nada encontrou além da murcha cabeça de repolho. Premido, contentou-se por fim com o conseguido comendo-o apressado junto aos demais cozidos.
Mal terminou, o reloginho do 1,99 o expulsou da mísera habitação.
O edifício Field’s Bank era o mais alto da cidade. Seus 20 andares de imponência abrigava no térreo um grande banco o qual lhe emprestava o nome; nos demais andares, escritórios importantes, alguns de multinacionais. Transitava em seu interior gente bacana, refinada no trato.
Esbaforido pelo atraso, Jonilson se apresentou ao síndico recebendo instruções:
--- Você vai render o Sebastião no turno das 13:00 h. Ordenou o altivo chefe.
E assim foi. Apertando e desapertando botões, o sobe e desce do elevador não fez muito bem ao nosso herói. Cuidava dar 15:00h o estômago do rapaz já tinha embrulhado vezes e contraído outras tantas, exigindo-lhe exercícios de concentração para não botar o ambiente em risco. O serviço não dispunha de suplentes à mão, obrigando o infeliz a suportar o enguiço.
E quanto mais subia e quanto mais descia, a bomba alimentar agia nas entranhas do rapaz, transformada por ora em ameaçadora panela de pressão.
Parado no térreo, o movimento atenuara. Na fila esperando, duas mocinhas galhofavam trivialidades, uma sra. grávida e dois homens de meia idade, cabendo ao de barba aparada, trajes bem talhados, aparentando um gentleman, ser o chefe, notadamente pela maneira como se dirigia ao outro numa linguagem estranha aos demais nativos, supostamente objeto maior da galhofa das meninas.
A plaquinha acima do elevador indicava – capacidade 12 pessoas.
Jonilson sentiu-se momentaneamente seguro. Evidentemente, a meia lotação possibilitaria oportunidade de dar uma escapadela ao fundo de um corredor e dar uma aliviada.
O elevador subia. A seta abruptamente acendeu. Indicava já o sétimo andar. A sra. grávida saiu. O elevador subia. 8º., 9º., 10º...Puf! Lá se foi a energia!
Os cavalheiros permaneceram impassíveis; as mocinhas apreensivas, sérias.
Nosso ascensorista... bem, Jonilson não sabia o que era aquilo. Nunca experimentara situação igual. Quando a luz se apagou e o rapaz não enxergou um ponto sequer dela, a escuridão o envolveu num pavor sufocante. Seus olhos então cresceram, os batimentos cardíacos descompassaram-se e suas mãos buscaram apoio no que tinha pela frente: coincidentemente, um par de jovens seios! Em conseqüência, o tapa lhe  desfechado fê-lo abrir a válvula da pressão. A princípio bem que Jonílson concentrou-se em segurar o esfíncter. O tapa, entretanto, abriu um furo na barragem de seu esforço e, pelo vão da gretinha, o prisioneiro escapou assoviando longo --- fiuuíííít! --- prorrompendo-se numa aceleração engasgada e final: pooommp! A fedentina invadiu inteiramente o ambiente.
No pequeno compartimento do elevador onde nada se via e tudo se sentia, até o medo claustrofóbico do rapaz guardava um silêncio constrangedor, quebrado pela voz pausada do cavalheiro fleugmático: “Meu amigo Fred, eu já vi merda bem ressecada, vi-a pastosa, do tipo rala, mas, merda gasosa fiquei conhecendo agora. Vai peidar fedido assim nos quintos dos infernos! ... Filho da mãe! Parece até que bebeu água de esgoto e comeu farofa de urubus!” Dito em inglês, só o amigo Fred entendeu.
A energia chegara!
As mocinhas saíram correndo abafando o risinho zombado.
Jonilson por sua vez, se refizera do medo da escuridão; contudo, permanecia embaraçado pelo outro incidente. Mesmo assim, impressionado com o palavreado do gringo que também saía, abordou-o num tom de submissão:
“Thank you!”
Perplexo, o homem devolveu-lhe um olhar desprezível.
Também, era a única coisa que o pobre sabia falar na língua de Shakespeare.
À noite, Jonílson voltaria para sua mísera habitação e, sem recursos, comeria o restante de seu cozido. O resultado só Deus sabe.