Manchete de Jornal

O pior é que o chininha estava na dele...

Vamos iniciar do princípio: Maldito hora em que bebo uma dose a mais e aí deixo os amigos (amigos?!) me arrastarem para essas roubadas. Acabei sendo arrastado para um barzinho da moda! Também dois malucos cercados por três beldades alucinantes e de sorrisos fáceis com dente brancos e perfeitos e corpinhos esculturais. Imitando bebezinhos. Sabe como é. “-Ai, João, laga dí sê bobo. Vamo co a gentí, João. Vamo si divetí...” e todo esse papinho furado. E lá vai o João (babacão) cheio de amor para dar e com uma dose de tequila a mais na moringa. Pelo menos eu teria carona. E grana naquele momento não era problema. Eu tinha juntado tudo que tinha recebido naqueles dois meses de trabalho duro e mais os free lancers que eu tinha pegado e feito um depósito substancial na minha conta bancária. Não era sempre que o João fazia uma coisa absolutamente certa. Isso é quase uma raridade. E lá fomos nós. Carrinho do ano dos bonecos.

-Tá a fim de fumar um haxixe, João? Perguntou um deles.

- O macaco come banana? Foi o que eu disse.

Ele me passou um mesclado e fui tragando. Coisa boa. De virar a cabeça de qualquer um. As gatinhas gostosas tagarelando. O rádio do automóvel tocava uma cançãozinha melosa qualquer. Resolvi não prestar atenção. Eu conseguia me desligar dos baratos dos outros numa boa. Começou a tocar a minha melodia dentro do meu cérebro. Ótimo. Oboés com guitarras distorcidas em fuzz. A erva, quando é da boa, faz isso, pode crer. O barzinho não era longe. Chegamos em quinze minutos. O suficiente para ficar bem doidinho.

Tinha que pagar entrada. Que duvida. Todos conheciam os porteiros e os garçons. Menos eu. Menos mal. Saquei na hora o ambiente. Tudo que não me apetece. Pegamos uma mesa num reservado. Estabelecimento novinho em folha. Música mecânica da pior qualidade. Toda aquela bobagem pasteurizada que você escuta nas FMs mais fuleiras. Um horror. Para variar, cigarros só do lado de fora. Pedi um uísque duplo para o garçom e uma água mineral para rebater. Os demais pediram cerveja. Começamos a entabular conversa. As meninas riam de todas as bobagens que eu dizia. Levantei para fumar. Fui até o lado de fora. Acendi o filtro amarelo e fiquei olhando o movimento. Um bando de belezocas e belezocos de pele leitosa e macia, com roupas novas e transadas. Mas havia algo errado. Essas pessoas não eram felizes. Era isso que seus olhos me diziam. Era isso que suas atitudes me transmitiam. Não queria muito voltar para dentro a não ser para matar minha dose então fumava devagar saboreando bem a fumaça. Era bom. Só os falsos moralistas acham cigarro um absurdo. Pode até fazer mal. Mas que é bom demais, isso não se pode negar. Vi quando chininha chegou. Sozinho.

Era um típico. Um metro e setenta, se muito. Magro. Cabelos negros escorridos. Também fumava e deu uma funda baforada antes de jogar o crivo e entrar. Estava vestido normal. De jeans e camisa listrada de abotoar. Sapatos pretos. Parecia ser um cara legal. Ou não. Que sabe? Você? Não fiquei reparando muito nele. Terminei de fumar e entrei. Todos já estavam na segunda cerveja e bem relaxados. Dei um gole na minha dose e já pedi outra. O garçom achou esquisito. Problema dele. O bar começou a encher e eu já fico meio cabreiro. Odeios lugares. Juro que odeio. Festas e esse tipo de coisas. Tudo falso. Fake, como diz a rapaziada inteirada. O jogo de flerte. Os bebuns de fim de semana. Os playboys invocados metidos a macho. As mulheres semidesnudas e com um puritanismo afetado. As conversas fiadas. As gírias da moda. As músicas sem eira nem beira. Parece que a humanidade se anima com essa mesmice. E eu me entedio profundamente. Tento mas não consigo me adaptar. Sempre fui assim. Mesmo quando adolescente descobrindo a “rua”. Prefiro ficar num bar simples, bebendo, comendo anchovas e falando de futebol. Prefiro ficar sentando em casa com a mente vazia. Prefiro um show de rock bem barulhento regado a fumo e vodca gelada. Mas, é a vida...

Senti o movimento se formando. Não entendi bem. Já estava ficando alto como uma pipa. Mas senti as vibrações. Resolvi ignorá-las. Erro. Erro em cima de erro. Resolvi emendar um papo com a gatinha que achei a mais bonita. E era. 26 aninhos. Formada em Comunicação Social pela PUC já fazia dois anos. Olhos castanhos esverdeados e o cabelo castanho meio ruivo. Simpática. Um belo corpo. Meio fútil e vazia, mas ninguém é perfeito. Ficava me perguntando sobre escrever a todo instante. Eu mudava de assunto. Mas ela dava um jeito de voltar a ele. Pedi mais bebida. Agora era tentar me embriagar até ficar imprestável e falando com as paredes.

Um grandalhão passou por nossa mesa fazendo caras e bocas para as gatinhas. Elas viram e retribuir com cara feia. É sempre assim. Nesses lugares parece que a coisa é ensaiada, puta merda! Não entra na minha cabeça como a gente se diverte assim. A mim parece que estão imitando os estereótipos anacrônicos e ultrapassados dos imbecis dos seus pais. Não vejo nenhuma explicação plausível. Nem fico procurando respostas. Que venha mais bebida. Resolvi fumar outro cigarro e dessa vez todos me acompanharam. Estavamnos bem encharcados quando saímos. Uma turminha de rapazes estava a uns cinco passos de nós. Um deles olhou para mim e gritou:

-E aí, coroa! Vai pegar as gatinhas?

Sorri e dei de ombros. Os meus amigos ficaram meio putos e falaram em “ver a parte”. Convenci-os a não perdem tempo. Meu desprezo tinha dado certo e não nos dirigiram mais a palavra. Continuamos conversando e curtindo nossos cigarrinhos. Começava a fazer frio. Consultei meu relógio de pulso. Meia noite e trinta e quatro. Amanhã vou dormir até o cu fazer bico, pensei. Voltamos para dentro. Tocava uma música que me causou náusea no momento em que entrou nos meus ouvidos. Coisa de corno manso. O “cantor” dizia que iria “beber até cair” porque a sua putinha tinha lhe abandonado por outro indecente. Puta que o pariu, vai ter mal gosto assim na casa do caralho, porra! Pedi mais uma dose e o pessoal já me avisou que estavam na Said eira. Maravilha. Alguém sugeriu comer um sanduíche em algum lugar ou tomar uma bela sopa quente. Concordei. Ao me virar para pedir meu último drinque avistei o chininha no balcão virando uma bebida vermelha. Parecia Campari ou qualquer uma dessas merdas coloridas. Ele me viu e fez um discreto cumprimento com seu copo. Retribui com a mesma discrição. Os orientais é que estão por dentro dos lances. Não se afobam. Não gritam. Não se alteram. Porque no momento que se alteraram é a mesma coisa que uma pastilha de Mentos numa lata de Coca-Cola. Quem seria louco que mexer com uns caras desses? Com certeza, eu não. Mas quando o garçom chegou com a conta e minha última dose é que eu percebi o que estava realmente acontecendo. Como não costumo sair para esse tipo de ambiente e demoro a sacar as intenções. O mesmo grupo que estava fumando lá fora e que fez um gracejo comigo estava se aproximando do “China”. Pareciam bêbados e belicosos. Todos vestidos exatamente iguais. Todos com os mesmos cortes de cabelos. Todos enormes. Musculosos. Tentando parecerem maus. Começaram a bater boca com o chininha. Enquanto eu passava meu cartão de débito na máquina para quitar minha despesa escutava fragmentos da discussão. Parecia que tinha mulher na jogada. Mas eu duvidava disso. Vi o carinha chegar sozinho e permaneceu sozinho tomando sua bebida vermelha no balcão quando me saudou discretamente. Com certeza os grandões que o abordaram ali mesmo só estavam querendo confusão. Provar sua masculinidade. Meu deus, que coisa mais antiga! Que tal se essa gente parece e pensasse um pouco e talvez até pudessem gastar sua energia extra com uma bela mulher de coxas grossas e boca suja? Mas não. Nada de autocrítica no século vinte e um. Antes fosse cada um por si. Um quer se intrometer na vida do próximo e de preferência prejudicar um por dia.

A gangue agora cercava o oriental. Ele permanecia impassível. Via seus lábios se movendo, porém parecia que eles não proferiam nenhum som. Frases curtas. Os ânimos foram ficando exaltados da parte dos provocadores. Merda. Isso não ia terminar bem. Já estávamos saindo quando notei que os seguranças do bar conduziam os baderneiros para a rua. O chininha ia junto. O grandalhão boçal que tinha começado a falar sobre que o china tinha mexido com mulher de alguém foi jogado longe por um segurança negro, alto e forte como um touro. Precisaria ser um idiota para encarar um cara daqueles. De heróis os cemitérios estão cheios. Nenhuma verdade extraordinária nisso. Apenas o óbvio do cotidiano.

Aí que aconteceu uma coisa muito estranha. O china estava parado com os braços pendendo ao lado do corpo. O babaca que parecia ser o líder do bando saltou em sua direção com o dedo em riste. Era patético e ao mesmo tempo engraçado. Um polaco de um metro e oitenta e poucos com o dedo indicador na cara de um orientalzinho de menos de um metro e setenta. Deu-lhe um empurrão. O china ficou parado onde estava e vi de realce um brilho que parecia uma lâmina ou coisa que o valha. Um golpe. Apenas um. Olhei por trás dos meus ombros. Já estava caminhando para o carro dos meus amigos. As meninas gritaram. Quando parei para ver melhor percebi que o peito do lourão estava aberto e sangrava abundantemente. Sua camisa de griffe agora estava arruinada. O cara caiu no chão feito um saco de leite. Os seus amigos correram na direção oposta feito um bando de frangotes no terreiro. Segurei as garotas como pude e entramos no carro. O china guardou algo no bolso de sua calça e começou a caminhar ganhando a noite. Os seguranças deixaram o corpo no chão. Parece que foi algo instantâneo. Voltaram para seu trabalho. Para dentro daquele barzinho cheio das frescuras com gente metida a besta. Fomos comer cachorro quente numa barraquinha do Largo da Ordem. Meus amigos falavam sem parar sobre a cena tétrica que tínhamos acabado de presenciar. Eu comia meu sanduíche com verdadeiro prazer. Terminamos e eles me deixaram no portão do condomínio de fundos em que eu morava. Entrei. Me despi. Olhei minha cama que parecia estar contente em me ver. Fumei um cigarro deitado e dormi.

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Acordei no dia seguinte lá pelas onze da manhã. Resolvi fazer algumas compras no mercado. Não tinha nem um pão seco para se comer em casa. Ser solteiro e ter quarenta anos é uma responsabilidade e tanto.

Tomei uma ducha e me vesti com as roupas da véspera. Fui caminhando até a banca de jornal próxima para comprar um maço de cigarros, quando avistei a manchete na primeira página de um pasquim popular:

“Coreano mata em casa noturna da Capital”

Comprei um exemplar e sentei no fio para ler o fumar. O texto dizia mais os menos assim:

“Na noite de ontem, um coreano matou com um golpe no peito o estudante de Administração Fulano de tal. A discussão ocorreu no interior da casa noturna... e o motivo aparente foi que o assassino teria se aproximado de uma mulher que supostamente estava com o agredido. A polícia procura o suspeito mas ainda não sabe responder qual o instrumento que provocou a morte do rapaz. Poderia ter sido uma adaga ou um soco inglês...”

E por aí seguia o texto. Ao terminar a leitura somente pensei que eu e a polícia não tínhamos idéia de nada...

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 20/07/2010
Código do texto: T2389113
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