Noite de Terça-feira

Nunca gostei muito de elevadores e também nunca ouvi alguem discordar dizendo que adora o clima chato e de suspnse daquele minusculo quadrado. As pessoas entram, se olham e as mais educadas cospem um "Bom Dia"rasgadoe eu sei que com medo daquilo parar. Mudamos para um apartamento no centro da cidade a poucas semanas. Moramos no 8° andar, o ultimo por sinal.

Tinha acabado de descer correndo para o carro. Estavamos atrasados para a festa no escritório de papai e ele não estava com uma cara muito feliz.

-Vamos Adriana. Seu Rodolfo não vai entender esse seu medo bobo de elevador.

papai fechava a porta enquanto falava rápido.

-Não é medo papai, eu apenas prefiro as escadas...

-ESPERA. Mamãe falou alto do banco de trás com meu irmão de 9 meses no colo. -Esqueci a fralda do João.

Olhei para papai e ele estava ficando vermelho.

-Calma, eu busco. Me ofereci antes que a veia na testa dele estourasse com a pressão.

Chutei a barra do vestido enquanto saia do carro e entrava no prédio. Odiava aquelas festas de escritórios mas até do que elevadores. Mamãe me obrigava a usar vestidos grandes e papai puxava o saco do Seu Rodolfo. Aquele idiota do Seu Rodolfo. Quando tinha 3 anos derrubei suco de uva na camisa dele, mamãe disse que foi o dia em que papai mais ficou vermelho, ela não sabe se por vergonha ou arrependimento por não ter aceitado a opnião dela e comprado uma camisa cor de vinho...

Passei na frente do elevador e e ele abriu. Mas automatico se eu tivesse dito Abra-te-sesámo. Seu Carlos e Dona Dorado 510 saíam devargazinho com Tita, a poodle problema deles. A cachorra deu um latido como de costume e eles disseram um "Boa Noite Mocinha". O elevador continuava com a porta aberta, olhei para a escada a alguns passos dali. Se eu fosse de escada papai daria um chilique antes de falarmos 'Escritório'. Sabia que me arrependeria daquilo, mas entrei rápido e sem pensar. Apertei o 8° e a porta foi se fechandodevagar. Um solavanco e ela abriu em um estrondo.

Então ele entrou. Vestia um casaco branco e uma bermuda mais larga, os olhos eram de um verde muito intenso que combinavam com o cabelo preto e propositalmente desarrumado. A mão segurava um skate com vários adesivos de bandas. As mesmas que eu gostava: MUse, Creed, Nickelback... Será que realmente aquele garoto existia?!

Ele me olhou com dúvida, talvez se perguntando porque uma louca usa vestido de festa em plena terça-feira,e deu um pequeno sorriso de lado enquanto apertava o 7°. A porta começou mais uma vez a fechar, dessa vez sem nenhuma interrupção.

Olhei para trás e me deparei com um espelho. Pra que bulhufas colocavam um espelho em um elevador? Talvez pra você disfarçar penteando a sombracelha enquanto a falta do que fazer te assombra. Um estalo e o elevador parou, olhei para o pequeno visor sobre a porta. Já tinhamos chegado no 7°?! Não. Estavamos no 5°. Parados. "Calma Adriana, não entre em pânico." Tentei inutilmente me acalmar."Talvez alguem queira subir também.Pode ser Joana, a moça do 509 indo encontrar com Paulo nosso vizinho do 805..." Alguns minutos e nada, continuavamos parados no 5°. Olhei para o garoto e ele deu de ombros, apertou o botãzinho de alarme e sentou em cima do skate.

-Acho que ficamos presos. Ele sorriu e sua voz saiu calma.

Forcei um sorriso e sabia que não tinha sido um dos melhores.

-E agora? Minha voz saiu arrastada, maio chorosa.

-Esperamos. Isso sempre demora... Eles vão vericar qual elevador parou, depois vão chamar o tecnico e etc.

-Como pode ter tanta certeza?

-Terceira vez esse mês. Já tenho uma certa experiência. Ele piscou e sorriu. Pode sentar, eu não mordo...

Percebi então que tinha ido para o canto. Apertava tanto os braços que as pontas dos meus dedos estavam vermelhas. Arrumei o vestido longo idiota e me sentei de frente á ele.

-Festinha hoje né?! Ele olhava para o conjunto vestido-saltos-coque já desarrumado.

Sorri e fiquei vermelho como papai, mas de vergonha.

-Prazer, Pedro Henrique.

Ele esticou a mão direita mostrando algumas pulseiras de "Hippie"

-Adriana. Sorri e segurei em sua mão.

-Primeira vez não é?

-Dei tanto na cara assim? Mexi no laço da sandália. -É que elevador não está na lista dos meus lugares preferidos...

-Medo? Pedro me olhava curioso.

Olhei para ele.

-Talvez um pouquinho...

Os dois riram baixinho. Em poucos minutos já eramos amigos desde o jardim de infância. Ele me contou que tinha chegado a uma semana no prédio com a irmã de 7 anos e a mãe, que tinha recebido uma promoção pra capital. O pai vinha atrás com a mudança e o irmão mais velho de 19 anos. Contei a ele um pouco sobre cada um da minha familia e ate falei um pouquinho sobre o Seu Rodolfo. Pedro riu na parte em que me referi á ele como Se Leôncio.

Descobrimos que vamos estudar na mesma escola e sobre nosso sonho de ir pra Austrália.

Enquanto Pedro falava sobre o torneio de skate que ele quebrou a perna, eu senti.

-Pedro, sente.

Ele me olhou confuso, olhamos para o visor e ele mudava do 4 para o 3. Tinham concertado. Quando chegamos no terreo a porta se abriu.Várias pessoas tinha se agrupado em frente ao elevador,entre elas papai, mamãe e João agora acordado.

Levantamos e saímos. Pedro foi abraçar um mulher alta com uma pasta na mão que pareceu ser sua mãe e eu abracei papai.

-Tudo bem Drica? Mamãe perguntava me tirando dos braços de papai e me abraçando com o João no meio.

-Tudo sim mamãe.

-E o seu medo de elevador?

Olhei para Pedro e ele me olhou sorrindo.

-Nem tenho mais... Disse sorrindo para ele.

-Então já que não ouve pânico podemos ir agora? Papai me olhava pidão.

Eu e mamãe sorrimos e o seguimos antes que ele ficasse vermelho de novo. No final tudo acabou bem. Chegamos alguns minutos atrasados para a festa, na hora em que Seu Rodolfo anunciava o novo promovido: Papai. Que ficou muito vermelho, mas dessa vez de emoção. Eu e Pedro? agora nos encontramos quase todos os dias, em frente ao elevador. Afinal, elevadores não são tão maus assim...

Ludmila Guimarães
Enviado por Ludmila Guimarães em 18/07/2010
Reeditado em 20/07/2010
Código do texto: T2384755
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