A Morte
A morte
Quem está aí, pergunta Mariana Beatriz intrigada. Deixara a porta chaveada e ninguém mais habita o casarão. Amandio fora para fazenda buscar aipim e laranjas.
―Sou eu.
―Mariana Beatriz nem acredita que possa estar falando comigo.
É meu vestido preto que te assusta? Ou meus sapatos grossos, escuros e antigos?
Para que quero sapatos modernos? Não desejo estar bonita. Na realidade, quanto mais feia eu for, melhor vou atingir meu objetivo. Hahahahahah
Não sou feia, sou diferente.
―O que você quer? Quem é você?
―Sou a morte. E estou aqui para lhe acompanhar.
A Morte? Como assim?
―Mariana Beatriz eu sou a morte. E você sabe muito bem que devo levar você comigo. Agora é tarde.
―Mas eu ainda tenho de fazer algumas coisas, resolver alguns negócios.
―Eles se resolverão. O Paulo está aqui para tratar deles logo que passarmos naquela porta.
―Mas ele sabe que você está aqui?
―Todos sabem. Dona Sara sabe, até seu Horácio sabe.
―Mas seu Horácio morreu há quatro anos. Dona Sara está muito mal no hospital. Não devemos incomodá-la.
―Isto não muda nada. Ele sabe. E sabe tudo sobre você também. Sabe tudo o que você fez. Sabe que você matou Sérgio, que envenenou Luiza. Dona Sara já sabe também. Ela morreu ontem no final da tarde.
―O que mais Paulo sabe?
―Sabe tudo.
Anda, deita. Não gosto de pegar pessoas em pé. Prefiro deitadas.
―Mas eu não quero deitar-me. Estou bem. Eu só pensei em atirar no meu peito, mas esta bosta de arma não disparou.
―Tenta de novo. Ela vai disparar em alguma das tentativas.
―Quem mais sabe meus segredos?
―Todos sabem. Depois que você estiver nos meus braços, nada mais será segredo.
―Paulo sempre soube do seu segredo.
―Ele te contou?
―Não.
―Dona Sara sabia antes de morrer?
―Não. Agora sabe.
―Anda deita para eu te levar. Não posso te pegar assim de pé.
―Você vai me matar?
―Não, eu não mato. Eu só levo quem estiver na hora de morrer.
―Vai doer?
―Não sei. Depende da sua perícia em acertar logo o tiro.
―E Daniel? Onde ele está?
―Você sabe melhor que eu. Não foi você quem o mandou para Paris?
―Ele sabe meu segredo?
―Ainda não, mas logo saberá. Quando passarmos a porta.
―Como ele saberá?
―Como todos os outros saberão.
―A verdade, minha querida, sempre chega. Nem, que seja depois que formos juntas para outro mundo. Ninguém mais tem interesse em guardar o que você sempre guardou. Só interessava para você. Você fez tudo para se proteger, para garantir o que você considerava que lhe faria feliz. Embora não lhe tivesse feito. Você conseguiu o que queria? Paulo casou com você? Alguém soube quem é o pai do teu filho? Para que lhe servirá toda aquela fortuna que você guardou no banco depois de envenenar o tio Remi? Onde você vai usar as jóias da tia Zulmira?
―Como é que você sabe destas coisas?
―Eu sou a morte, minha querida. Sei tudo.
―E quem mais sabe?
―Paulo sempre soube. E se você não usar logo esta arma, ele a usará contra sua testa. Este é um sonho que ele sempre teve. Só não realizou porque teve medo que o filho de vocês descobrisse. Ele acha que já pecaram demais. Ele sofre por nunca ter te denunciado quando você afrouxou o parafuso da roda do carro do Sérgio, antes daquele acidente fatal. Ele sabe que você envenenou tio Remi para ficar com o seu dinheiro. Ele sabe que o dinheiro está guardado, que você não gastou. Ele sabe que você colocou veneno no chá da Luiza o que causou a sua enfermidade e sua morte. Ele sabe que Daniel é seu filho. Que Sérgio era estéril. Que você matou Sérgio para ficar com ele. Tia Zulmira foi empurrada por você naquele poço.
Sabe até que você casou com Sérgio para ficar perto dele, já que ele – Paulo - nunca lhe permitiria uma aproximação, mas Sérgio era muito jovem quando você apareceu na casa deles pedindo emprego, e não viu toda a sua maldade e suas reais intenções. Dona Sara sempre acreditou em você. Seu Cândido, também. Todos acreditaram na sua falsa doçura e lhe deram a chave de todos os armários. Até Paulo sucumbiu ao seu tropel, deitando-se com você naquela noite horrível de chuvarada e trovões. Na realidade você escorregou para sua cama aproveitando a tempestade que deixou as outras camas molhadas. A sua nem estava molhada. Ele estava só. Sua mulher já estava internada havia dois anos. Ele não tinha outra mulher. Você usou desta fragilidade para tornar possível seu plano maquiavélico.
Agora que você conduziu com sua mão assassina, cada um dos que atrapalhavam teus planos, e me entregou a todos um por um, que só vivem Paulo e Daniel, você tem de vir comigo. E vamos logo. Antes que Paulo chegue e termine o serviço.
Ainda tenho de escrever pros homens do cemitério.
- Por favor não conte meus segredos! O que você vai escrever?
- “aqui jaz Mariana Beatriz,pequena no corpo, gigante na astúcia, misteriosa e leal aos seus propósitos”