A hera grampeara-se no muro e agora descia se apossando do espaço da bomba, impedindo-a de respirar, cobrindo seu corpo escuro e trêmulo que rangia, uivava num esforço heroico, impaciente, procurando sugar, em penoso desespero, a água que saciaria a grama, castigada pelo sol de muitos dias.
 

Além do corpo, as ramas da hera, talvez no calor intenso da procura por outros destinos senão os muros altos que guardavam aquele jardim, enfiou-se pela torneira da bomba, mangueira adentro, deixando-a ainda mais engasgada. Minha culpa.

Por não perceber que o tempo de uma hera esticar-se é menor que minha pressa. Culpa minha, por julgar que a sede de um jardim pode esperar pelo tempo determinado por meu tempo. Culpa minha, os destroços acumulados pelos canteiros e cantos de muro. Pela prepotência, meu castigo é esse arrependimento que salta por meus olhos ao juntar as folhas secas, mortas por minha inércia e descuido; ao verificar a transformação do verde no amarelo pálido da possibilidade da perda.

Todas as coisas sabem ser apenas o que são. Um jardim só sabe ser um jardim com seus mistérios de floradas e mudas, de nascimentos e mortes. Também eu sei ser somente o que sou, com meus segredos e sagrados. Se me deixo banhar pelo excesso de outros eus, pela vaidade de me pintar com outras elas ou pelo descaso de me deixar sem ser, eis que minhas folhas verdes não vingarão, eis que meus frutos maduros cairão em decomposição, desprezados, pelos cantos e pedaços de minha distinta natureza.

Com reservado cuidado, retirei as ramas de hera, esmagadas e desenxavidas, que tentaram ser, aleatoriamente, o que não eram, trilhando rumos imprecisos. Não cabe a coisa alguma apropriar-se de lugares que não são seus. Com incomum paciência desfolhei o motor da bomba, quente ainda pelo esforço exigido. Então sim, com sua música de água, a água jorrou em fios, refrescando o dia, fartando todas as raízes que clamavam por vida.
 

Aproveitei, podei o que em mim havia do que não sou, tomei fôlego e me coloquei no devido lugar. De novo éramos o que sabíamos ser, em essência e dádivas.
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 17/07/2010
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