Durante um verão
Décimo quinto. Com certeza era o décimo quinto. Era incrível como sempre perdia a conta depois do décimo, mas dessa vez tinha certeza, era o décimo quinto carro vermelho. Podia ter perdido a conta dos carros azuis e amarelos, mas agora estavam bem.
Desta vez tinha sido uma boa escolha, os cinzas e pretos nem valia tentar, os amarelos passavam muito raramente, complicador manter o número na cabeça, agora ficava muito mais fácil, vermelho é a frequencia da contagem, se um dia precisar de algo para contar sua cor será vermelho.
Difícil manter a concentração em um dia ensolarado, ainda mais pra fazer uma redação. Caderno, lápis e borracha não foram feitos para serem usados para escrever e sim para desenhar, pra isso sim serviam. Uma prova eram as mais de cinco páginas rabiscadas com o melhor da arte abstrata.
Detestava aquela situação, um texto em prosa com tema livre. Fazer o quê? Uma dissertação? Uma tese? Um artigo? Uma ficção? Um relato? E ainda pior, sobre o quê? Tema livre? Isso não é tema, é tortura.
Durante toda a manhã, a única coisa que queria saber era qual mente maléfica mandaria fazer um texto em prosa com tema livre. Quando ia começar a escrever, a bagunça que a família fazia fez com que abandonasse a idéia de ficar no quarto.
Dentro da mochila estavam os fieis cadernos, lápis e borracha, além de alguns sanduíches, balas, uma barra de chocolate e revistas em quadrinhos, apenas como fonte de inspiração.
Depois de muito pensar, a melhor escolha era pegar a bicicleta e seguir para o parque central, lá seria um bom lugar para pensar, juntar fatos e decidir o que e sobre o que escrever. Pena que não podia ser um desenho seria mais fácil.
Desenhar era sempre livre, diferente de um texto, eles não nasceram para serem livres, pensava naquela época. O caminho ajudou muito a pensar, pena que chegando lá os garotos jogavam bola, todo o pequeno parágrafo introdutório se perdeu aos poucos durante os chutes.
Devia escrever, já estava ficando tarde, mas a criatividade sumiu. Hora dos quadrinhos, sabia que eles seriam úteis, quadrinhos sempre são úteis, lê-los iria estruturar as mais belas história envoltas nas maiores aventuras e com personagens envolventes.
Duro acreditar, mas nada foi escrito. Aqui foi o ponto da contagem de carros, uma tarefa extremamente exaustante, requer muito esforço e atenção. Principalmente por causa dos fuscas, eles parecem sempre conspirar pela falha. Sempre no momento em que um carro da sua cor vai virar a esquina um fusca acelera fazendo barulho, qualquer um olharia para o fusqueta.
Definitivamente essa era a tarefa mais dura de todas, como pode um jovem parar para escrever? Porque temos de escrever nas aulas de português? Essa foi uma dúvida que só foi respondida anos depois.
Dois dias depois, uma segunda feira, foi a data limite da entrega, um martírio. Só que, felizmente, a professora gostou da carta pedindo humildes desculpas de não ter escrito o texto. Para surpresa, grande surpresa, a carta também é considerada um texto.