As mortes de Jimenez
Jimenez deveria ter morrido de outro jeito que não aquele. Foi uma morte ridícula, por assim dizer, ridícula porque não combinou com o “tipo” dele. Acho que Jimenez poderia ter morrido com mais classe.
Ardoino Jimenez. Eu admirava Ardoino Jimenez, primeiro pela imponência do nome e segundo pela imponência da estatura. Devia ter pelo menos uns dois metros de altura, uma cabeleira de dar inveja a qualquer um e um charme capaz de levar as mocinhas às alturas. De vez em quando, ao passar pelo seu comércio – era dono de uma loja de doces – ouvia o suspirar de uma ou outra donzela saindo de sua loja com um pacotinho de balas na mão e os olhos brilhantes postos no balcão onde estava o Jimenez.
Um infarto fulminante lhe cairia bem e poderia ter sido naquele jogo do Internacional. Lembro-me como se fosse hoje, Jimenez voltando do Estádio Beira Rio naquela fatídica final do Campeonato Brasileiro: Cruzeiro x Internacional. Figueroa marcando o único gol da partida, levando o time gaúcho ao seu primeiro título brasileiro, Jimenez estava em transe, com a camisa rasgada, ria e chorava e mandou todo mundo que estava por ali entrasse na sua loja e pegasse o doce que quisesse, era tudo por sua conta. A torcida colorada merecia. Foi dormir com o rádio ligado, o calor insuportável daquele dia de dezembro de 1975 fez Jimenez dormir nu, empapado de suor e com as janelas abertas.
Poderia ter morrido de tiro, um tiro bem no meio do peito e na sequencia uma queda cinematográfica de fazer o chão estremecer. Houve um assalto na loja de doces em certa ocasião e o ladrão estava tão nervoso que esteve para atirar em dois momentos cruciais, um quando eu desmaiei no meio da loja assustando-o de supetão e outro quando a polícia passou por ali em ronda diária. Jimenez não se alterou, e com todo aquele corpanzil distribuído nos 110 Kgs deu uma bela chave de pescoço no meliante que não teve tempo nem de piscar enquanto espiava se a viatura tinha ido embora.
Jimenez não se casou, segundo ele, havia tantas mulheres nesse mundo que se dedicar a uma só seria uma grande injustiça. Não teve mocinha que não pensou em fisgá-lo pelos prazeres da carne e os desprazeres de uma paternidade indesejada. Contando oito filhos, todos varões, reconheceu todos, mas não casou jamais. Muitos pais defenderam a honra de suas filhas contratando jagunços perdidos para uma surra no “desvirginador” imprudente, mas até os pais sabiam que não era Jimenez a procurar as mocinhas e sim, elas à ele. E seria uma morte romântica: cair duro de qualquer tipo de ataque no altar da igreja contraindo núpcias.
Quando completou 50 anos, sumiu.
No dia do seu aniversário, 14 de julho de 1982 muitos vizinhos estavam à porta de seu estabelecimento para dar-lhes os parabéns e filar aqueles novos docinhos de leite – novidade na Europa, dizia ele – e também porque Jimenez era uma pessoa admirável. Passaram-se das oito da manhã, horário que abria pontualmente a loja e nada do Jimenez aparecer. Alguns disseram que ele teria tirado o dia de folga por conta do cinqüentenário, outros que teria ido ao centro da cidade e se demorado por lá. Mas quando passou do meio dia e ele não apareceu, o povo se alarmou. Chamaram a brigada que vasculhou a loja e a casa de Jimenez. Estava tudo lá, móveis, roupas, sapatos, comida na geladeira, aquela televisão a cores que era o xodó do homem, o rádio, a luz da sala ainda ligada e a cama desfeita. Nada indicava viagem, pois que tinha roupas no varal. A louça posta na pia como se estivesse para ser lavada a qualquer momento. A porta fechada com o molho de chaves na fechadura, mas destrancada. A loja intacta, com sua fartura e sortilégio de doces, alguns trocados na caixa registradora e os documentos pessoais num envelope pardo.
Jimenez sumiu.
Cinco anos depois a justiça deu Ardoino Jimenez como morto e seus bens foram requisitados pelos oito filhos varões, por uma esposa perdida e mais cinco filhas não registradas. Uma morte ridícula.