A VOLTA....
Voltava de uma visita, tranquilamente e curtindo o final de tarde, por sinal muito bonito. No rádio uma linda canção que não mais consegui lembrar qual é.
E de repente, sem saber como ou de onde me sinto num rodamoinho, sendo sacudida e jogada de um lado para outro como um simples boneco de pano.
Mas tudo girava em câmara lenta... Uma sensação horrível, onde sem saber como ou porque minha vida rodou como um caleidoscópio, com suas cores ofuscando minha visão.
Depois tudo parou... Estático... Um cheiro de ferro, gasolina, muita fumaça e eu imóvel aguçando meus sentidos para entender o que não se sabe.
Esperei ali como que travada; e realmente estava. Aquela direção comprimia meu estomago, tentei tira-la de mim, mas não conseguia.
Tentava olhar para cima, pois me sentia ter descido. Na realidade estava pendurada, dentro do meu carro, presa pelo cinto e pela direção... Sentia somente um líquido quente e grosso descer-me pelo rosto pingando em minha blusa tão alva... Olhava mas não via, sabia, mas não entendia.
Passei assim alguns minutos e de repente tudo se clareou... Acabo de sofrer um acidente.
Mas não ouvia nada mais além dos meus pensamentos. Ajuda. Preciso de ajuda, mas onde? De quem? O silencio era cortante, apavorante.
Presa, sem poder me mexer, somente com minha mão direita conseguia algum movimento... Tateei... Pois, sentia que nem mesmo a cabeça poderia mexer.
Toquei em algo e com um esforço sobre-humano puxei até a direção. Meu Netbook.
Poderia ser um celular, uma buzina ou algo que denunciasse a alguém minha situação.
Mas não tenho escolha...
Agora, mesmo que pudesse fazer qualquer movimento, meu sexto sentido, me alertava que não. Não tente fazer nada.
Contrariando, abri lentamente o NB, e pedindo a Deus, por ajuda... Liguei. Cada gesto por menor que fosse, era acompanhado por algumas golfadas de sangue.
Alguma coisa pelo menos tinha que dar certo... Aperta aqui, espera bip, e com alivio daqueles que já não esperam grandes coisas; entrei na internet... vi minha pagina de contatos abrirem.
Sempre digo aos amigos que diante de um computador sou lesinha, lerdinha. Sempre considerei essa maquina diabólica, e agora torcendo para que ela não guardasse rancor.
Lembro-me de ter dado um sorriso a esse pensamento. E chamando um dos contatos, consegui me explicar e pedir ajuda... Para ter certeza, tentei outro torcendo para que não me confundissem com um novo vírus maluco a aprontar das suas.
Agora só me resta rezar e esperar e porque não, escrever!
Cheguei a conversar com algumas pessoas num certo site que visito muito. Lembro-me para um deles ter dito que me sentia muito mal. Enquanto escrevia, lágrimas corriam dos meus olhos e dos lábios sorrisos eu dava... Era uma estranha calma a me possuir.
Virei um personagem da minha própria história.... Para não perder a consciência e não deixar o pavor de despencar tomasse conta, navegava na internet. Lia, escrevia, sem querer pensar que poderiam ser minhas últimas palavras... Deixadas ao léo. Sem que ninguém se dessa conta de que meus olhos azuis tão queridos de alguns poderiam estar retendo suas ultimas imagens.
Ninguém acreditaria que agisse assim numa situação como essa.
Acho que esses momentos eternos duraram algo em torno de quase duas horas...
Ouço motores, muito longe, tento reconhecer... Vozes. Algo balança temerosamente aqueles ferros que até a pouca horas era uma das minhas paixões, meu carro.
Percebo que o zumbido forte vem e depois se afasta... Até ficar de repente no meu campo de visão.... Um helicóptero. Ele não podia se aproximar sem tudo balançar.
Senti que algo metálico batia na estrutura, fechei o NB, empurrei para o lado e começava pedir ajuda espiritual, pois, um frio correu pela espinha, tudo se mexia agora com mais força.
Então aconteceu... Um guinchado enorme... E tudo parecia desabar... Jesus!!!.... Apaguei.
Quando abri novamente os olhos, andava por um caminho com muita neblina... Meu Deus estou andando... Minha roupa branquinha, não mais molhada de sangue... Meus braços agora livres. Eu pisquei varias vezes, até perceber que estava no alto de um penhasco com uma paisagem incrível. Olhando melhor estava no inicio de uma ponte pênsil de cordas e lá embaixo um rio bravio jogava suas aguas sobre as pedras furiosamente.
Calmamente me pus a atravessa-la... Ao mesmo tempo ao olhar para outro lado da ponte, parecia um quarto, com pessoas de branco apressadas, algo estava ocorrendo, me aproximei lentamente e boquiaberta vi a pessoa deitada na cama, responsável pelo alvoroço das outras em volta. Era eu... Cheia de sangue nas vestes, sendo rasgadas, aparelhagens bipando, médicos ordenando injeções, outros limpando, material cirúrgico e de repente se afastam e o mais velho deles com um aparelho para ressuscitar quase subiu em cima de mim... Então entendi... Eu estava morrendo.
Uma luz suave se aproximava e dela saiu um homem de feições muito lindas, sua pele tinha pontos minúsculos de luz, suas vestes tão brancas, que se azulavam, seus cabelos lembravam aqueles anjinhos barrocos e ele portava lindas asas enormes.... Seus olhos tão azuis quantos os meus, me transmitiam uma calma e leveza impressionantes.
Aproximou se sorrindo e por breve instante comigo observou meu corpo inerte e nos rostos dos médicos a impotência. Depois com voz angelical, me disse: - Estou aqui para leva-la de volta... Você não pode ficar.
_ Por quê? Parece que para mim já está tudo acabado. Enquanto falava, apontava para o corpo que naquela cama jazia. - E aqui estou sentindo uma onda de paz, um calor amoroso, uma sensação de conforto e bem querer.
_ Você não pode ficar, pois, ainda resta muita coisa a ser feita... Trabalhos que se propôs antes de sair de nosso convívio e toda essa sensação de amor que sentes, são orações, são desejos daqueles que te amam, que te querem ,torcendo pela sua vida.
_ Mas em que condição precária me encontra. Acho que nada em mim funciona.
_ Confias no Pai e volte. É muito bom tê-la aqui, mas és mais necessária ao lado dos teus!
Como ainda me mantinha insegura, pegou-me pela mão e num simples gesto da sua mão direita, a imagem mudou. Então passamos a caminhar por lugares tão conhecidos, tão meus.
Andei pelo recanto das minhas crianças, antes tão cuidado... Agora sujo e abandonado.
Na pousadas dos meus idosos, tudo muito triste e sem cor... Pessoas antes tão cheias de vida, agora relegadas... Minha casa, parecia nunca ter sido palco de amor, amizade e calor humano; somente sombras e escuridão em suas dependências que conheceram a luz e a beleza.... E assim passando por toda a minha vida... Fui sentindo uma tristeza infinita e muitas lágrimas derramadas; de mãos dadas fui levada de volta ao meu corpo.
Passei então muitos dias ao lado dele. Acompanhando o coma, as complicações, as dificuldades, mas sentindo todas as vibrações boas da família, dos amigos e até dos médicos.
Passeei entre eles; acariciando alguns, beijando outros e até cutucando, fazendo cócegas , brincando, derrubando coisas para assustá-los.
Aproveitei para fazer todas as molecagens e estripulias que sempre imaginei, se um dia viesse a ser invisível... Fiz coisas que até Deus duvida.
Acompanhei os amigos perguntando por mim, dos lugares longínquos, suas reações... Ouvia amigos e parentes lendo, até poesias, declarações de amizade, muito carinho e muita emoção senti.
Mas agora a brincadeira acabou... Devo abrir meus olhos... Devo mostrar a todos que voltei para ficar...
E enquanto recebia os carinhos de boa vindas, de recuperação, entrou em meu quarto um jovem de uma beleza angelical carregando um enorme buquê de rosas vermelhas, minhas preferidas.
-Estáis feliz com a volta, aproveite! Sabes o que é bom!!!
Assim dizendo piscou com aqueles lindos olhos azuis e se foi.