Um dia comum?

Aquele parecia ser mais um dia comum como tantos outros. Acordar cedo. Tomar um banho rápido. Engolir o café. Comer uma fatia de pão ( apenas uma) pois estava fazendo regime. Maldito regime! Mas levaria a idéia até o fim. A amiga fizera esta mesma dieta, a dieta dos pontos, e emagrecera rapidinho. Ela também emagreceria. Era só questão de força de vontade.

Apressada, caminhou até o ponto de ônibus. Estava em cima da hora. Fez sinal, o ônibus não parou. Chegaria atrasada novamente. Droga! Bem que poderia acordar mais cedo. Era quase impossível fazer tudo em menos de meia hora.

O ônibus. Outro ônibus. Acho que chegarei na hora certa. Ainda bem!Outra vez lotado. Estou esmagada. Enjoada. Este povo não toma banho. Logo cedo com este “perfume”, imaginem a tarde!Um dia comprarei um carro ou melhor, comprarei um foguete e irei para o espaço.

Lembrou-se das vezes em que quisera fugir. Talvez dela própria. Uma fuga quase impossível. Lembrou-se do dia em que quisera se matar. Havia terminado o namoro com o Cris. O amor de sua vida. Depois de tantas promessas, tantos anos juntos...Agora ele simplesmente a trocara por outra. E esta outra ainda por cima dizia ser sua amiga. Aquela ...!Que ódio! Que vontade de matá-la! O ódio transformou-se em angustia, em solidão, em impossibilidade. Ele ainda dissera: “Podemos continuar amigos, você sabe que pode contar comigo sempre que precisar..”

Não quero ser sua amiga. Quero ser sua. Como poderei viver sem você? E o nosso casamento daqui a dois anos? Nossos filhos? Nossa casa? Quero morrer!

A idéia apossou-se dela. Não suportaria vê-lo com outra. Morreria. Tomaria uma caixa inteira de tranquilizantes fortíssimo. Ninguém se importaria com ela. Morava sozinha. Quando a encontrassem já seria tarde. Poderiam providenciar o enterro.

Numa noite, pegou os comprimidos. Esmagou-os. Misturou-os com um pouco de água e...jogou-os no ralo da pia.Estúpida! Não tinha coragem de se matar. Pensou “morrer é mais fácil do que sobreviver. Se quisesse morrer poderia ter tomado os remédios, se enforcado, se jogado de uma ponte ou de um prédio. Com certeza morreria. Mas sobreviver...Isto sim que é difícil. Suportar todas as dores e ainda ter coragem para continuar caminhando.

A vida é muito preciosa. Que se dane o Cris. Que seja infelizmente feliz com aquela garota traidora. Sobreviverei.

Ai meu pé. Vê se não me esmaga! Quanto tempo levará para acabar esta tortura. Ninguém desce. Já chega! Não cabe mais ninguém aqui. Isto é desumano! Não dá nem para ver as horas. O meu relógio está dentro da bolsa. Vou chegar atrasada. Ouvir ladainhas:”outra vez Maria? Vê se consegue se organizar!Tudo bem Dona Leonor, me organizarei.

Organizar!Será que aquela mulher conhece o que é organização? A casa sempre bagunçada. Um diazinho que fico sem arrumar, parece uma eternidade, fica tudo um rebu.

Tudo bem dona Leonor, me organizarei!

Tenho vontade de arrumar outro emprego. Ter carteira assinada, convênio médico...

Mas já procurei, o problema é não ter nem experiência e nem estudo. Só fiz até a terceira série. O pouco que sei é porque me interesso por livros e sempre estou lendo alguma coisa.

Precisei trabalhar desde muito pequenininha, naquela época estudo não era obrigatório, então parei de estudar pra ajudar meus pais na roça.Quando fiz 18 anos vim para São Paulo, com uma tia. Minha tia voltou e eu fiquei aqui. Desde então trabalho em casa de família.

Parece que o ônibus está mais vazio. Já consigo me movimentar. Não quero nem olhar o relógio. Sei que estou atrasada. Faltam dois pontos. Cheguei!

__Bom dia Maria!

__Bom dia dona Leonor!

__O que aconteceu ? Você precisa se organizar!

__Me organizarei.

__Mas desta vez Maria, não dá mais. São quase uma hora de atraso . não dá mais.

Sensação horrível a de estar desempregada. A gente pensa em tudo. Como vou fazer para pagar o aluguel, comprar comida, pagar minhas contas?Bate uma vontade de gritar. Chorar...Apesar de não ser o emprego dos meus sonhos,pelo menos dava pra eu pagar as contas. Que vontade imensa de morrer! Agora será uma morte bem trágica. Me jogarei aqui do sétimo andar. E ela ficará com remorso para o resto da vida. Vou até a janela, fico olhando o movimento lá embaixo. Estúpida! Não tenho coragem de me matar.

Pegou suas coisas . Despediu-se de dona Leonor, marcando um dia para acertarem as contas.

Caminhou até o ponto, com passos lentos. O ônibus parou, desta vez não estava lotado. Sentou-se. Sentia-se uma fracassada. Mas sabia que este sentimento passaria .

Repentinamente, entram dois rapazes no ônibus. Rendem o cobrador. Um desapontando um revólver pede para os passageiros colocarem tudo de valor dentro de um saco.

Maria não tem dinheiro, tem apenas o relógio de pulso quebrado. Retirá-o da bolsa e colocá-o dentro do saco.

__Você está brincando comigo? Passa a grana sem enrolação.

__Maria tira do bolso o seu único um real.

__Continua brincando! Mas desta vez vai brincar no inferno.

O bandido aponta a arma para Maria e lhe dá um tiro. Os passageiros entram em pânico. Escuta-se o barulho das sirenes da polícia. Os bandidos fogem.

Maria lembra-se de sua vida. Quanta luta, meu Deus! Desde pequena, trabalho, falta de dinheiro, vida precária. Sua mãe doente, sem poderem prestar auxílio. O corre-corre dos dias. Seu primeiro amor. Seu último amor. Oh Cris, como eu gostaria que você estivesse comigo segurando minha mão agora. Queria olhar pra você pela última vez. Mas sinto que é o fim. Vou deixar este mundo. Um mundo onde mundo mais fácil é morrer do que sobreviver.Agora com certeza não sobreviverei.

Tessália Lemos
Enviado por Tessália Lemos em 10/07/2010
Código do texto: T2369429
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