Agora eu sei!

Eu não sabia que aquele apagão na cidade, trazendo aquele preto todo para dentro das coisas, fosse me fazer parar de olhar para elas e começar a prestar atenção em mim mesma. Foi naquele blecaute que eu me dei conta do meu. Êta vidinha de merda e sem brilho. Porra de solidão que esmaga. Mas que porra que nada. Nem porra é, pois porra fecunda e nem grávida eu estava. Grávida de alguma idéia, embarrigando um plano qualquer. Mas não, meu bucho andava vazio de tudo. Eu não casava, namorava nem ficava com assunto nenhum. Tinha medo. Não começava nada. Coisa alguma me acendia. Aquele apagão foi tudo para mim, pois eu sou pobre e pobre é burro, só se enxerga quando não tem mais nada para ver. Pois é, isso é coisa que eu não me dava conta, não sabia, mas agora eu sei.

Dei para o primeiro cara que me quis. Camisinha? Não, não precisa. Mete logo, pele com pele, que é mais gostoso. Daí você vai ver só – eu disse para o cara - quanta coisa boa eu vou fazer com isso, essa porra que fecunda. Vou fazer uma criança bonita que só vendo e ensinar a bichinha à não precisar de apagão para se enxergar, pois vai ter educação e faculdade e me contar muita coisa que eu ainda não sei. Pois se nas idéias eu não sou lá muito boa, meu bucho vai dar conta de tudo. Bucho não pensa, faz. Daí eu vou trabalhar na cabeça desse filhote para ele se iluminar sozinho. Vou usar todo dinheiro das faxinas para trazer mais coisas boas para a vida dele que os dedos da mão do Lula possam contar. Daí, lá adiante, com toda a sua vida ajeitada, diploma e emprego bom, eu vou olhar para essa minha criança, de nome Maria ou Eugênio da Luz, e saber que, de escuro na vida dela, só mesmo a noite, que não depende de mim. Vai ter futuro claro, cheio de educação e postura e, talvez um dia, vá se sentar do meu lado e conversar sobre tudo isso que a vida não me deixou saber. Daí, a esperteza do meu bucho, que já vem da natureza, vai passar para minha cabeça. Vou até conseguir imaginar minhas coisas no claro, sem precisar de apagão. E, depois de imaginar, vou saber também escrever sobre elas, assim que nem o senhor faz. Mas deve ser gostoso escrever as coisas assim, não é, moço? Mas não há de ser nada, o senhor vai ver – disse ela, carinhando a barriga.

Após eu desligar o gravador, pediu-me que eu escrevesse tudo isso que ela falou, como se fosse uma história, e que eu desse a ela o nome que dei: Agora eu sei.

Luftwaffe
Enviado por Luftwaffe em 09/07/2010
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