A DECLARAÇÃO
SEGUNDO CAIO
O fim de tarde era sempre o início. O início de mais uma chance de dizer à Luiza o tamanho da reviravolta que me causava. É que todos os dias, das seis da tarde às oito da noite, eu me sentava ao seu lado, no curso de inglês. Eu, que namorava a Daniele seriamente havia cinco anos, me via, naquele momento, tomado por sentimentos que, sei lá, não sei explicar... Queria Luiza para mim. Sabia disso. Apesar de um amor ainda enorme à Daniele, queria Luiza para mim!
Descrever Luiza não é fácil. Com sua estatura baixa e medidas perfeitamente distribuídas, Luiza compactava em si as mais singelas qualidades que uma mulher poderia ter. Quando sorria, assemelhava-se a uma criança; quando séria, mostrava a mulher madura que seus vinte anos muitas vezes escondia. Enquanto assistia às aulas, por vezes me pegava a observá-la. É que seus olhos negros e bem desenhados, num misto de atenção e curiosidade, junto àquele semblante meigo e àquela pinta próximo ao canto da pequena boca, me hipnotizavam. Quando ela surgia envolta num vestido florido – o meu preferido –, ficava ainda mais difícil prestar atenção à minha volta; meus olhos eram seus. Os cabelos lisos e cortados na altura do ombro não possuíam um desenho elaborado, mas não me importava com isso. Debaixo daqueles fios eu me perderia por completo em sua nuca coberta de mais pintinhas como a do canto da boca. Na ponta das orelhas, um par de brincos tão meigos quanto a dona – geralmente com frutinhas – era a cereja do bolo.
O meu medo maior era o de com Luiza evoluir uma amizade que não coubesse uma declaração apaixonada de minha parte. Eu tinha a convicção de que, até o final do curso, eu iria me declarar. Mas me frustraria profundamente receber em troca uma gargalhada fofa, daquelas que só ela era capaz de soltar. Mas como controlar uma aproximação quando o desejo de se dizer futuramente o real sentimento se choca a vontade louca de ser amigo, irmão e pai daquela pessoa? Ao mesmo tempo em que eu procurava não me transformar no “melhor amigo” de Luiza, agia como se já o fosse de fato. “Eu preciso dizer logo o que sinto”, eu pensava. Mas e o medo de tudo até ali acabar de repente? – a amizade de Luiza, mesmo que limitando o meu sentimento mais profundo, era muito importante para mim.
Certo dia, já cansado de todo o fim de tarde dar início à minha confusão noturna, segui para o curso confiando ser aquele o “Dia D”. “De hoje não passa”, eu pensava e, pelo caminho, chegava a dizer a mim mesmo em voz alta. Cheguei até a notar que, durante o trajeto, o semblante de Daniele não me surgira. Aliás, fazia alguns dias que não conseguia pensar em Daniele, embora, repito, eu ainda a amasse. Amava? É que o foco ali era Luiza, entende?. Eu tinha que estar entregue, de corpo e alma, àquela conquista. Foi quando pensei: “E se Luiza disser ‘sim’, o que eu faço?”. Bem, embora fosse este o meu objetivo, eu notava que realmente não havia pensado em tal possibilidade. Terminaria tudo com Daniele?
Chegando ao curso, me deparava com Luiza ocupando uma cadeira na cantina, como sempre, a saborear um atraente suco de laranja.
- Olá – eu dizia.
- Que bom que chegou cedo, Caio. Precisava mesmo falar contigo – dizia Luiza séria.
Criativo, pensei: “Já pensou se ela se declara antes de mim?”.
- Pois não. Diga.
- Eu não sei bem como dizer, sabe? Eu tenho muito medo do que pode vir a acontecer depois desse nosso papo.
- Nossa! Fiquei curioso. Prossiga.
- É o seguinte: eu sei que você morre de amores pela sua namorada, a...
- Daniele – eu a completava, enquanto pensava “ela vai se declarar, ela vai se declarar”.
- Isso, a Daniele. E eu, pelo amor de Deus, Caio, acredite em mim, não quero jamais estragar um relacionamento tão bacana.
- Ora, mas por que diz isso?
- Bem, vou direto ao assunto. Acho melhor nos distanciarmos, Caio.
- Por que isso? Ainda não entendi. Somos amigos, não somos?
Estava na cara. Luiza notara que estava apaixonada por mim, e, com medo de não ser correspondida, devido ao meu relacionamento com Daniele, queria se distanciar.
- Caio, eu não sei como dizer. Só sei que será melhor para nós dois.
- Luiza, o que é isso? Não está sendo leal comigo. Diga-me realmente o que sente. Só assim poderei aceitar ou não esse distanciamento. Você está gostando de mim? É isso? Pois fique sabendo que eu estou perdidamente apaixonado por ti, Luiza! E nada, nem mesmo a Daniele será capaz de apagar o que sinto.
Pronto. Naquele momento, eu, contrariando todo um planejamento, me declarei. Senti-me leve e ao mesmo tempo certo de que me enganava em relação ao que sentia por Daniele. Ninguém, que amasse realmente, seria capaz daquilo. É como se em questão de segundos eu descobrisse um amor e um desamor ao mesmo tempo.
- Ficou maluco, Caio? – dizia Luiza.
- Sim! Maluco por ti!
- Ah... Mas... Não é nada disso, Caio. O que sinto por ti é a mais pura amizade. Eu... Ai, meu Deus... Queria me distanciar de ti porque sua namorada esteve aqui e me deixou esse bilhete.
Luiza, nitidamente sem jeito, jogava o bilhete sobre a mesa e saía. Eu, surpreso e confuso com tudo aquilo, o li:
O Caio pensa que eu não sei. Fique longe dele, Luiza. Está me causando problemas.
Daniele.
Como Daniele havia chegado até Luiza? Eu devo ter dado alguma bandeira, sei lá. Quem sabe até dito o nome de Luiza ao pé do ouvido de Daniele. O fato claro é que Luiza já tomara mais espaço em minha vida do que eu imaginava.
Hoje, minha relação com Luiza está péssima. Ela mal fala comigo. Duro é aceitar que seus sorrisos contagiantes, que antes eram meus, já se mostram sem uma direção certa.
SEGUNDO LUIZA
Era como um ritual. Chegar da faculdade, tomar um bom banho, fazer um lanche bem gostoso e sair correndo para o curso de inglês. Logicamente que não era pelo fato de eu ter de sair “correndo” que eu deixaria de perder alguns minutos para me arrumar. É que lá no curso tem um rapaz, o Caio, que fazia questão de elogiar os meus vestidos, meus sapatos... Até os meus brincos ele reparava. Não, não se trata de ego inflado, nada disso. É que era tão fofo da parte dele... Ele achava que eu não via, mas ele me observava bastante. O pior é que eu gostava, e muito.
O Caio é aquele tipo de cara que mexe com você nos gestos mais simples, sabe? Ele vinha com sua estatura mediana, vestindo sempre uma malha de estampas engraçadas, um jeans e um tênis, como quem não quer nada, e, de repente, soltava um “que perfume gostoso, vem de ti?”. Eu desmontava. Disfarçava. Mas desmontava. A maneira como ele deixava o cabelo desarrumado lhe dava um ar despojado, mas no exato limite da tolerância feminina. Isso! O Caio é aquele tipo de homem que te ganha por andar no limite das impressões, entende? Ele sabe cativar uma mulher, mas sem ser um grude chato. Ele sabe ignorar também, quando quer, mas sem magoar profundamente. Seus olhos castanhos claros, da mesma cor do cabelo, me olhavam sempre com muito carinho; eu sentia isso. Mas o fato é que ele mantinha um namoro de mais de cinco anos, se não me engano. Sendo assim, nunca demonstrei o meu real interesse. Não acho certo.
O meu medo maior era o de Caio e eu nos tornarmos muito amigos, a ponto de nunca termos a chance de... nos beijarmos. Sim, eu sabia que um relacionamento de cinco anos era um rival e tanto, e em nenhum momento lutei para que Caio o terminasse. Eu apenas, digamos assim, me sentia disposta a acolhê-lo imediatamente após um possível fim daquele namoro. Mas eu sentia que nossa amizade só tendia a aumentar a cada dia. O Caio era um fofo, meu Deus, e eu, sim, estava me apaixonando por ele a pequenas doses diárias, não minto. “Se ele um dia se declarasse...”, eu pensava.
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Foi quando tive o desprazer de encontrar, pela primeira e única vez, a tal namorada do Caio, a Daniele. Não sei como ela me achou. Só sei que estava eu na cantina do curso quando:
- Luiza? – dizia Daniele.
- Sim.
- Conhece o Caio?
- Que estuda aqui?
- Sim. Ele mesmo.
- Sim, o conheço. Por quê?
- Eu sou a Daniele, namorada dele, e precisava lhe entregar um bilhete.
Daniele me entregava um pedaço de papel escrito à caneta. E saía sorrindo.
Confusa, rapidamente li o bilhete.
O Caio pensa que eu não sei. Fique longe dele, Luiza. Está me causando problemas.
Daniele.
Gelei. Não sabia o que fazer. A Daniele agiu de forma tão fria e estranha. Naquele momento eu só pensava em me distanciar daquilo tudo. Pedi um suco de laranja e fiquei a esperar o Caio – ele sempre me encontrava por ali, antes de subirmos para a sala.
- Olá – dizia Caio ao chegar.
- Que bom que chegou cedo, Caio. Precisava mesmo falar contigo – eu dizia.
- Pois não. Diga.
- Eu não sei bem como dizer, sabe? Eu tenho muito medo do que pode vir a acontecer depois desse nosso papo.
- Nossa! Fiquei curioso. Prossiga.
- É o seguinte: eu sei que você morre de amores pela sua namorada, a...
- Daniele – ele me completava.
- Isso, a Daniele. E eu, pelo amor de Deus, Caio, acredite em mim, não quero jamais estragar um relacionamento tão bacana.
- Ora, mas por que diz isso?
- Bem, vou direto ao assunto. Acho melhor nos distanciarmos, Caio.
- Por que isso? Ainda não entendi. Somos amigos, não somos?
- Caio, eu não sei como dizer. Só sei que será melhor para nós dois.
- Luiza, o que é isso? Não está sendo leal comigo. Diga-me realmente o que sente. Só assim poderei aceitar ou não esse distanciamento. Você está gostando de mim? É isso? Pois fique sabendo que eu estou perdidamente apaixonado por ti, Luiza! E nada, nem mesmo a Daniele será capaz de apagar o que sinto.
Meu Deus! Quando ele falou aquilo eu não acreditei. Por que esperou tanto pare se declarar? Por que esperou a Daniele me ameaçar para dizer isso? Eu estava tão nervosa que, indo contra tudo o que planejei para um momento como esse, dizia:
- Ficou maluco, Caio?
- Sim! Maluco por ti!
- Ah... Mas... Não é nada disso, Caio. O que sinto por ti é a mais pura amizade. Eu... Ai, meu Deus... Queria me distanciar de ti porque sua namorada esteve aqui e me deixou esse bilhete.
Sem jeito, eu me levantava, jogava o bilhete sobre a mesa e saía. Ainda o vi lendo o bilhete e passando a mão sobre a cabeça.
De lá para cá, não falei mais com o Caio direito. Ainda o quero, sei disso, mas não estou a fim de me meter em confusão. A Daniele me pareceu uma psicopata. Tive medo, muito medo.
Enquanto a Daniele estiver na vida dele, prefiro direcionar meus sorrisos a direções incertas. Embora meu coração ainda esteja disponível a uma segunda tentativa por parte dele...
SEGUNDO DANIELE
Ora, era um curso de inglês, somente isso. A confiança que depositava em Caio não me deixava pensar em ciúmes, não por conta de um simples curso de inglês. Caio sempre foi um rapaz muito estudioso; a fim de se aprimorar cada vez mais, sempre fez vários cursos, e não seria eu quem o iria impedir, mesmo. Aliás, quando pensava em Caio estudando, automaticamente pensava em um futuro melhor ao lado dele. É, estávamos juntos havia cinco anos. Nada mais justo eu pensar dessa forma, não?
O que eu mais gostava no Caio? Acho que a seriedade com a qual ele encarava tudo em sua vida, inclusive o nosso namoro. Quando a desconfiança de um possível deslize em sua fidelidade me bateu à porta – sim, em cinco anos, Luiza foi a primeira a, digamos, atrapalhar o nosso caminho –, tive que tomar uma atitude. Entendo perfeitamente uma atração física de um homem, mesmo comprometido, por uma mulher. Mas entendo também que uma simples atração pode se desenvolver e se tornar a mais ardente das paixões. Daí, para o amor é um pulo. E o amor de Caio era meu.
Tudo começou quando o Caio se mostrou desatento durante um jantar. Eu falava e falava, mas o Caio não interagia; mantinha-se quieto, apenas concordando com o balançar de uma cabeça que não estava ali naquela mesa. Poderia contar nos dedos quantas vezes o Caio me olhou nos olhos naquela noite. Ah, quando a gente está com uma mesma pessoa há cinco anos fica muito fácil notar essas coisas.
- Aconteceu alguma coisa, Caio? – eu dizia.
- Não, não. Nada – ele respondia, mas não me convencia.
Mudo, naquela noite Caio apenas comeu, o que estava muito longe de parecer com um jantar entre nós. Tempos antes aquela mesa seria pequena para tantas trocas e demonstrações de amor. Mal sabia que os efeitos de Luiza já o tomavam.
Depois do jantar, mesmo estando Caio tão longe, insisti numa noite de amor. Fomos para a cama. Eu, a fim de trazê-lo de volta, ou ao menos entender o que ocorria; e ele, nitidamente, a fim de cumprir com um protocolo já tedioso e gasto.
O que se deu foi um sexo tão monótono quanto o jantar. Meus olhos miravam o teto enquanto Caio se movimentava de maneira automática e fria sobre meu corpo. Até que, de repente, o clima esquentou. Senti Caio ressurgir das cinzas no que eu realmente entendia como sexo entre nós. Ofegante, próximo ao orgasmo, Caio comete seu maior erro: diz o nome de Luiza ao meu ouvido. No momento pensei em explodir. Mas, não sei o que me deu, preferi manter a calma e esperar pelo que Caio me diria. Mas ele não disse nada. Na certa nem percebeu o deslize.
Como eu já tinha o ouvido falar na tal “Luiza lá do curso de inglês”, que era “assim”, que era “assada”, não precisei de muito tempo para entender tudo.
No dia seguinte, com as poucas características que tinha de Luiza, fui atrás dela no curso de inglês do Caio. Logo no primeiro piso, na lanchonete, vi exatamente o que imaginava ser Luiza: uma menina linda, num vestido lindo e com um olhar tão cativante que por pouco não me fez desistir da abordagem. Eu sou sincera, ora, a Luiza é uma menina linda, fazer o quê?
- Luiza? – eu dizia.
- Sim.
- Conhece o Caio?
- Que estuda aqui?
- Sim. Ele mesmo.
- Sim, o conheço. Por quê?
- Eu sou a Daniele, namorada dele, e precisava lhe entregar um bilhete.
Eu entregava um pedaço de papel escrito à caneta.
O Caio pensa que eu não sei. Fique longe dele, Luiza. Está me causando problemas.
Daniele.
* * *
À noite, Caio foi até minha casa com o bilhete na mão.
- O que significa isso, Daniele? – dizia Caio.
- Um bilhete, ora.
- Mas por quê?
- Caio, você lembra do que você me chamou na cama, ontem?
- Ah?
- Luiza! Você me chamou de Luiza!
Caio, paralisado, resolve se abrir:
- Desculpe-me, Daniele. Não gostei da sua atitude com Luiza, mas preciso confessar que, sim, eu estou completamente apaixonado por ela. Pronto, falei.
- Isso eu já sabia, Caio. Só que eu não vou desistir de você assim tão fácil.
- Esqueça. Não há mais nada entre nós, OK?
- O quê? É assim que você termina um namoro de cinco anos, Caio?
- Daniele, entenda, eu não consigo tirar a Luiza da cabeça, merda! E não se preocupe! Eu acabei de me declarar para ela, mas ela não sente nada por mim, OK?
- Cretino!
- Basta! Adeus.
Dessa forma tola, Caio partiu e não mais me procurou. Eu ainda o amo, mas sei que o perdi para aquela menina. Embora Caio tenha se declarado e, segundo ele, sido rejeitado, sei que o perdi.
Se tudo o que ele disse for mesmo verdade, Luiza nos separou e eu tratei de os separar também.