Só comigo!

Entrei na pastelaria, como faço todos os fins- de-semana. Reconheço que é um pequeno luxo a que me dou o direito e a verdade é que nasci mais virada para a parte dos deveres e afins. Por lá, conhecem-me, sem que, no entanto, se tenham dado ao trabalho de me perguntar o nome. Dirigi-me ao balcão e sem que tivesse oportunidade de pedir fosse o que fosse para comer, já a balconista havia posto um abatanado à minha frente e balbuciado algo quase imperceptível, entre dentes:

- Está aí! É para si!

- Olhei para a empregada da pastelaria e nesse preciso momento percebi que também eu nunca me dera ao trabalho de saber o seu nome. Quanto a isso estávamos quites. Aí, como quem não quer a coisa, perguntei-lhe:

- Olhe, desculpe! O abatanado é para mim?

Ela respondeu:

- Não é o que costuma beber?

Olhei para aquela chávena a transbordar de café e estive tentada a beber e calar, só para não levantar mais celeuma, mas respondi-lhe:

- Não, eu bebo sempre uma meia de leite. Desculpe mas tenho hipertensão.

A senhora, sem nome, olhou-me indignada e respondeu convicta de que acertara no meu gosto à primeira:

- Bebe sempre um abatanado e agora está a fazer-se esquisita!

Juro que fiz que não ouvi e virei-me para o lado e cumprimentei as pessoas conhecidas que estavam sentadas numa mesa ali perto.

- Olhe quer um folhado para comer com a meia de leite?

Eu corri a responder:

- Não, eu queria um palmier simples, se faz favor!

Quando me apercebi já a eficiente funcionária da pastelaria havia posto o meu pedido em cima da mesa. A senhora primava pela rapidez no atendimento.

Como não vejo lá muito bem ao perto ainda fiquei na dúvida se estaria a ver mal, mas ao aproximar-me do balcão verifiquei que se tratava de uma milaneza.

Enchi-me de coragem e balbuciei:

- Olhe, desculpe! Eu pedi um palmier simples.

A funcionária respondeu rubra de raiva:

- A senhora pediu um folhado. É é muito intolerante!

Nessa altura já a meia de leite estava fria e eu ia para lhe dizer que fora ela quem me perguntara se queria um folhado e que eu me limitara a dizer que queria um palmier simples, quando, já aturdida, a vejo pousar em cima do balcão um palmier duplo. Fixei-a e encrespando-me, sabe-se lá porquê, devolvi-lhe o palmier duplo e reiterei o meu pedido:

- Olhe, desculpe, mas o que eu pedi foi um palmier simples!

- A senhora já viu bem a quantidade de coisas que já me pediu? Juro por Deus que tive vontade de deixar lá a meia de leite e de sair porta fora, mas o melhor ainda estava para vir, a balconista virou-se para mim e retorquiu:

- Isto não me está a correr nada bem!

Eu respondi:

- Deixe lá, todos temos desses dias!

- Entretanto já empenhada em atender convenientemente outro cliente, vejo-a colocar um Sumol em cima do balcão. O senhor ao meu lado começou a tossir com os nervos em franja e dirigiu-se a ela dizendo:

- Olhe, desculpe, eu pedi uma meia de leite!

Senti-me mais reconfortada, afinal não era uma questão de antipatia com a minha pessoa. O único crime que eu cometera era o desgoverno de, em tempo de crise, tomar o pequeno almoço fora…

Fana
Enviado por Fana em 07/07/2010
Código do texto: T2363261
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