Histórias da Minha Avó
Minha avó já se foi há algum tempo deixando muita saudade. Mas, não deixou só saudade, deixou também ensinos e princípios que fazem parte da minha formação e me influenciam até hoje. Além desse precioso legado, vovó também deixou muitas histórias. Outro dia me lembrei de uma delas e comecei a rir sozinho. Não tenho a mesma maestria da minha saudosa avó, mas vou me arriscar a reproduzi-la aqui nesse espaço.
No tempo que ainda existiam os bondes, tinha-se que tomar muito cuidado com os punguistas, aqueles indivíduos que se aproveitam da aglomeração para furtar, o popular batedor de carteira. Tudo era feito com muito jeito, nada parecido com a violência dos nossos dias, até os assaltos eram mais românticos. Os famosos “dedos leves” andavam bem vestidos e usavam da sua “arte” para surrupiar os mais distraídos. E quando o bonde estava cheio, as oportunidades aumentavam e eles iam a campo.
Vovó sempre foi muito desconfiada, estava sempre atenta a tudo. Mas um dia, ao chegar em casa, constatou que fora roubada. A infeliz surpresa, sobretudo, a deixou irritada: “quando foi que o furto se deu?” – perguntava indignada com a sua desatenção. Dona Alice detestava fazer papel de trouxa, não era nem pelos poucos tostões que o amigo do alheio levara da sua bolsa, mas pelo seu descuido, pela horrível sensação de que fora passada pra trás. A idéia de que alguém estaria rindo dela naquela hora, fazia-lhe ferver de raiva.
Foi aí que teve a inspiração de dar o troco. Na próxima vez que precisou ir ao centro da cidade num horário mais tumultuado, vovó pegou uma das suas bolsas velhas e encheu de esterco de vaca. Fez questão de colher o produto recém saído das entranhas do animal, por estar ainda bem úmido. Colocou a carteira dentro da sombrinha e saiu em direção à parada do bonde, com a armadilha preparada. O bonde estava lotado, mas um gentil cavalheiro cedeu-lhe o lugar. Obedecendo a estratégia que ela mesma elaborara, uns cinco minutos antes de saltar, colocou-se em pé com a bolsa propositalmente entreaberta. Comprimida entre os demais passageiros foi se dirigindo a uma das saídas. O bonde parou e vovó desceu, sem notar nada de diferente, até que, ao se preparar para atravessar a avenida, percebeu que o gentil cavalheiro que cedera o seu lugar no início da viagem, já estava do outro lado da avenida limpando a mão com um lenço e fulminando minha avó com os olhos. Ela resolveu não atravessar a avenida, deu meia volta e entrou numa loja de tecidos com ar de vitoriosa.