O VALOR

O dia começara normal, uma manhã como tantas outras, Paula estava morando há um ano e meio em um apartamento nos altos da residência de sua mãe, nessa manhã de julho de 2010 havia um quê de problemas no ar.

A dona Orlandina era uma pessoa simples em seu modo de trajar e vestir, no decorrer de sua infância e adolescência fora uma pessoa muito humilde, casou e teve duas filhas, possuía vida religiosa intensa, era comum os parentes e amigos estarem sempre presentes em sua orações.

Apesar da simplicidade e de muito trabalho por toda sua vida dona Orlandina cheia de garra e fibra sempre se colocava em primeiro lugar diante da vida ao que costumava dizer:

-Primeiro eu... Depois eu... Mais uma vez eu e finalmente os outros.

Paula era o oposto, primeira filha e como tal não gostava de contrariar os seus superiores, principalmente sua mãe, visto que fora uma moça ingênua e não sabia separar respeito de opinião própria, passara a infância e a juventude sendo uma pessoa submissa e omissa, nunca demonstrando os seus próprios sentimentos, seus desejos, seus anseios, achando que desta maneira estava agindo com respeito para com seus superiores, por longo tempo essa fora a idéia de respeito que Paula desenhara no seu cérebro e internalizara.

Paula casou-se muito cedo e não tivera tempo de conviver com a mãe, sentia-se uma pessoa diferente de toda a família, sempre tivera valores diferentes, entretanto, sempre se encontrava dividida entre duas escolhas ou situações, estas se apresentavam e Paula quase nunca sabia encontrar o caminho, pensava constantemente no que as pessoas iam pensar se optasse por esta ou aquela saída.

Grandes percalços fizeram parte do cenário da vida de Paula, muita dor e muitos sofrimentos, problemas com o casamento, problemas financeiros, as pequenas e grandes doenças dos filhos quando criança, as dores dos amigos, os olhares atravessados dos vizinhos, as crises, falências e traições que sofrera, além das depressões, foram vinte e seis anos de problemas de toda ordem, mesclados com numa pitada de bons momentos.

Dentre seus sonhos de menina Paula queria ser professora, profissão que não fora aprovada pela família, deste modo era inviável revelar seu segundo desejo: escrever um livro... Nem mesmo sabia escrever sobre o que... Só sabia que queria escrever... Fato nunca falado na família.

O sofrimento e as crises serviram para depuração do ser humano, hoje Paula valoriza cada olhar, cada pessoa amiga, cada momento de sua vida e consegue até tirar proveito daquilo que outrora seria chato.

Voltou a estudar, participa de inúmeros eventos, amadureceu a idéia do Livro de Poesias, hoje Paula consegue ver além, tem outra visão da vida e das pessoas, para ela abrir o coração é a maneira ideal para neutralizar os sentimentos negativos das pessoas.

Por outro lado dona Orlandina que perdera o esposo há três anos ainda mantém os mesmos pensamentos arcaicos que tanto quisera incutir na cabeça da filha e que fez Paula ser um ser humano irresoluto e por vezes indefeso.

Uma de suas máximas é que: ela acha que tem sempre pessoas copiando sua vida, como se ela fosse a dona do conhecimento e que as outras pessoas não fossem capazes de pensar, se alguém está fazendo algo a idéia foi dela primeiro, o outro está sempre copiando.

Inúmeras máximas desse teor foram cantigas de ninar na infância da Paula, que por vezes até mesmo pensou que não sabia nem pensar sozinha...

Porém há três anos quando perdera o esposo, viu-se na pior situação que já enfrentara, inúmeros compromissos, grandes fardos, trabalhos que não estava acostumada, seu mundo caiu, em uma reunião familiar foi decidido que Paula iria morar numa construção recente realizada nos andares superiores da casa de dona Orlandina.

Paula sabia que essa era a única saída, sentia medo de estar regredindo,sentia medo de perder o seu direito de ir e vir confessou seus medos a algumas amigas, mas como tudo tem no mínimo duas escolhas, optou pela escolha de que seria algo muito bom para sua pessoal.

Pequenos medos foram se desmoronando no coração de Paula, por todas as perdas que sofrera sentia uma profunda depressão pela manhã que só melhorava lá pelas 11 horas, perto da hora do almoço, quase sempre ao descer logo cedo pela manhã na casa de sua mãe era recebida com palavras duras e austeras, a filha de Paula, Pamela, num tom irônico e sarcástico dizia:

- A senhora já pegou “seu” da manhã...?

Foram inúmeras as manhãs que Paula permitia-se chorar, porém, nada além de dez minutos as duras manhãs se prolongaram por um ano meio, principalmente os mal estares matutinos, ao término deste tempo Paula começou a sentir-se segura, com a ajuda de amigos deu prosseguimento na edição e publicação do Livro de Poesias, em cinqüenta e quatro dias o livro estará nas mãos dos leitores... Tudo ia bem, Paula chegou a comentar com amigos que estava vivendo uma fase ótima da vida dela...

Quando na manhã do dia 05/07/2010 Paula desceu até a residência de sua mãe, como costumeiramente, e encontrou dona Orlandina com certo amargor devido a um serviço que orçou com um pedreiro e este não cumprira o acordo. Em várias falas, a mesma conversa:

- Que as pessoas são invejosas... Que não têm idéia própria... Que só querem copiar... Etc.

Desta vez Paula manifestou a sua opinião, como já tem feito em vários momentos... Argumentou que:

-Cada pessoa vive o seu momento, se para José e Maria neste momento é importante comprar uma geladeira que compre; se para Raquel neste momento o importante é fazer um curso técnico de enfermagem que faça, e para ela, Paula, naquele momento o que era mais relevante era o Lançamento do seu livro...

Ao que dona Orlandina, com altivez que lhe é peculiar retrucou:

-Que até essa questão de livro fora ela que tivera a idéia em primeiro lugar...

Paula sentiu-se aviltada, agredida, até a sua empregada Eliana que estivera com Paula há dez anos sabia dos intentos da patroa em relação a escrever um livro.

Ao que Paula respondeu em seguro, alto e bom tom:

-Que esse era o seu desejo de menina, e que ela sua mãe nunca procurou saber e nunca acreditou que o livro saísse e que ela era abençoada por Deus porque tinha amigos que ajudaram na realização desse sonho, e que o livro dela em nada se comparava ao de dona Orlandina, posto que, este era uma espécie de um diário.

Dona Orlandina não gosta de ser contrariada, sempre põe um ponto final quando a conversa não lhe cai bem, em dado momento as falas tomaram outro rumo e foi quando a altiva senhora bravou:

-Que pouco adiantava a filha estar morando perto dela, porque esta nada fazia para ela...

Dona Orlandina tem dificuldades de compreender que todo indivíduo tem que viver a sua própria vida, ninguém pode viver a vida de ninguém, entretanto, este posicionamento é somente para com a vida dos outros, porque naquela frase que é sua filosofia “primeiro eu... Depois eu...Mais uma vez eu...E finalmente os outros” esta inteligente senhora mostra que vive a vida dela muito bem.

Desta feita Paula lutando para não chorar e sair com o rabo entre as pernas que nem cachorro acuado armou-se de uma força emanada por Deus para retrucar altura:

- Disse-lhe que ela era uma pessoa que não sabia valorizar pequenos gestos, pequenas coisas da vida, que a casa de cima fazia ruídos e barulhos que denotavam a presença de vida e que somente por isso ela deveria dar graças a Deus porque ela nunca estava completamente sozinha, disse-lhe que ela Paula estava acostumada a estar só, mas que se sentia muito feliz quando ouvia vozes da casa de baixo, pois era sinal de vida e que um dia que ela, sua mãe morresse, ela ia sentir muita falta das conversas, vozes e outros sons característicos de vida familiar...E ainda acrescentou que não valorizava porque não tinha sofrido a ponta da unha do dedo mindinho que ela Paula sofreu, ao que a senhora concordou de imediato.

Não, desta vez Paula saiu de cabeça erguida, sentiu dores em cima do bago dos olhos, sentiu seu coração pulsar mais forte, dores de cabeça, sentiu seu corpo esquentar como a que reter temperatura, Pamela, foi ótima mediu a pressão arterial de Paula que estava 12/8, normal e ainda comentou em tom brincalhão e irônico:

- A senhora não tem nada... É tudo fruto da sua cabeça...

Hoje Paula sabe que para respeitar não precisa ser “vaquinha de presépio”, não precisa se esconder e muito menos se anular e a melhor maneira de aprender essa lição é aderindo à máxima filosófica de dona Orlandina: “primeiro eu... Depois eu... Mais uma vez eu... E finalmente os outros”

Paula é uma aluna exemplar.

Patrícia P Ventura
Enviado por Patrícia P Ventura em 05/07/2010
Reeditado em 31/07/2010
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