A Promessa.
Parnaíba- PI – Novembro de 1950.
Eu tinha apenas 10 anos e pela primeira vez sentia o peso da responsabilidade cair pesado sobre minhas costas. Ia prestar Exame de Admissão a série ginasial. Só passava quem sabia mesmo. Um exame rigoroso onde além de redação em Português tinha também redação em Geografia - Vocês já fizeram alguma vez redação de Geografia? Não? Pois nem tentem. É a mais difícil.
Eu precisava passar. Os dedos dos meus primos e irmãos apontavam para mim dizendo: Tu agora é a bola da vez... Estuda pirralho. Meti a cara nos livros com vontade.
E eu estudava. Ciências, História, Geografia e Matemática eu sabia que daria conta. Mas Português... Em análise eu era péssimo. Sempre foi minha pedra no calcanhar. E valia 2 pontos. Meu Deus! Eu tinha que aprender esta droga de análise. Dois pontos pesavam muito e o professor não perdoava uma vírgula. Em redação poderia matar 3 pontos dos 5 que ela valia. Seria um feito e tanto, mas tinha aprendido a usar a técnica do inicio, meio e fim com meu tio. Sabia que teria alguma facilidade. Nas outras questões, seria uma aventura. Precisava fazer no mínimo 7 pontos na soma geral de Português. Meu irmão tinha feito 8 pontos quando fez este exame. Papai só faltou endeusá-lo.
Fui à igreja pertinho de nossa casa e diante de Cristo fiz uma promessa. Se passasse nos exames eu iria de pés lá de casa até uma cruz onde os dois irmãos morreram atropelados pelo trem. Eles eram surdos e não ouviram o apito da Maria Fumaça. Ficaram aos pedaços sobre os trilhos. Seriam 8 quilômetros de ia e 8 de volta. Para uma criança de 10 anos era muito. Criança ver tudo maior e tem uma impressão bem diferente das grandezas a sua volta.
Precisava passar. Seria meu presente de Natal aos meus pais e a mim mesmo.
Dia do exame.
A ansiedade estava à flor da pele. Coleguinhas pálidos e inseguros se olhavam em silêncio. Escolhi meu lugar e esperei com uma folha dupla de papel almaço sobre a carteira (não sei se existe ainda este papel pautado).
Professor entra e um seco Bom Dia escapa de sua boca. Vai direto ao quadro negro e escreve – Redação: Rio Parnaíba. – Tempo: 30 minutos.
Dias depois fiquei sabendo que uma frase que eu coloquei na minha redação havia anulado todos os meus erros gramaticais. Ainda lembro como se fosse hoje desta frase: “... E margeando suas águas caudalosas, contam-se inúmeras lavadeiras a esfregarem roupas quase intermináveis que lhes provem sustento, enquanto gaivotas bailam em vôos silenciosos sobre suas cabeças, como benção vinda dos céus”. Uma criança de 10 anos tirar estas palavras, para ele foi o máximo. “O rigoroso professor havia comentado ao diretor: Quero eu mesmo entregar o resultado desta nota a este aluno” – e completou – “Uma pena que em análise só tenha conseguido 0.5 pontos”. (rsrsrs)
Minha nota em Português: *8*. Com muito orgulho recebi das mãos do professor o canudinho com seus parabéns. Havia feito 4,5 pontos em redação. A melhor nota da turma.
Passei em todas as matérias e minha media geral foi 8,8.
Dia de pagar a promessa.
Acordei cedinho e às seis horas da manhã, já estava pronto para a empreitada. Mamãe feliz e cheia de mimos havia providenciado um lanche e uma garrafa térmica com água gelada. Eu ali, todo orgulhoso me sentindo o próprio bandeirante, prestes a desbravar terras virgens.
Fiz todo o trajeto de ida e volta com profunda felicidade. Tudo ao meu redor pareciam como contos de fada. Sentia que havia crescido um pouquinho mais e que a responsabilidade havia chegado, deixando mais distante a vida de brincadeiras.
Foi um feito e tanto ter percorrido os16 quilômetros.
O novo ano letivo teve inicio em março. O diretor havia mandado uma correspondência aos meus pais, comunicando que eu seria o Orador da nova turma da 1ª Serie Ginasial na abertura das aulas, e que deveria ser uma homenagem ao professor de português. Eu e papai preparamos o meu discurso para este grande dia.
No dia da abertura do ano letivo, os alunos oradores das series mais adiantadas fizeram suas apresentações. Por ultimo foi eu. Meu nome soou alto, e percebi uma ponta de satisfação no olhar do diretor ao pronunciar meu nome. Isso encheu-me de mais coragem.
Subi ao palco e encarei todos os mestres nos olhos. Voltei meu olhar direto ao professor de Português e olhei lá dentro dos seus olhos. Um frio na espinha deslizava de cima a baixo. Sem tirar os olhos do professor, iniciei minha homenagem:
“Ilmo. Senhor Diretor. Ilustres professores presentes, ilustre professor Jose Rodrigues – o homenageado - Estimados colegas. Tenho a honra e a oportunidade de homenagear uma mente brilhante, que no decorrer de quatro anos fará nossa avaliação e nos ensinará com sua sabedoria uma das mais importantes matérias, dando de si muito dos seus conhecimentos para que possamos vencer na vida que mais adiante nos aguarda...”
Tornei-me orador da turma e aos 13 anos, era o orador oficial do Colégio e redator do jornal do Grêmio.
Quanto a promessa, até hoje eu lembro o quanto foi bom fazê-la. Tinha sido uma escolha minha. Era como se esta promessa fosse comigo mesmo. Uma criança de 10 anos que acreditava poder dar aos pais a alegria de ver mais um filho passando em um dos exames mais puxados da época.
Se Cristo me ajudou eu nunca pude perguntar a Ele, mas acredito que estava preparado, e Ele deve ter ajudado a manter minha calma e com a mente bem aberta.