Força estranha.

É com a companhia constante de uma dor de cabeça persistente e cruel que Ana acorda naquele dia.

Mais um dia, pensa desanimada ainda na cama, sem a mínima vontade de enfrentar as dificuldades financeiras, dores e gemidos de sempre.

Do quarto ao lado, já começam as queixas costumeiras.

O frio quase adormece as mãos calejadas enquanto lava o rosto e escova os dentes.

A casa pequena e úmida não oferece o mínimo de condições de higiene e conforto para abrigar um doente.

Abre as janelas do quarto acanhado e mal guarnecido de móveis. Do sol adivinha a presença apenas pela claridade do dia, já que o prédio ao lado impede qualquer aproximação amiga do astro rei.

Ana arrasta os chinelos, triste figura, com suas roupas sobrepostas e puídas, meias de lã grossas para esquentar os pés.

Assim preparada, chega ao melhor quarto da casa, onde o sol invade as pessoas tristes assim que ela abre a janela.

Olha para a cama conformada, tentando dar ânimo a uma voz cansada, pergunta quase que num sussurro amoroso:

- Conseguiste dormir?

- Nada, diz o pai doente por conta de um derrame cerebral.

Ana sabe que ele dormira porque verificara ao ir ao banheiro durante a noite. Resolve ignorar a chantagem, tem mais o que fazer.

- Vou preparar o café e já volto.

- Estás atrasada como sempre, estou com fome.

- Desculpe pai, dormi demais, mas já venho.

Dirige-se à cozinha pequena para preparar o café do pai. Suas necessidades matinais só serão satisfeitas depois que o pai estiver preparado para o dia com a higiene matinal e a barba feita.

Somente à tarde a vizinha caridosa chega para que ela possa sair e fazer os serviços de rua, comprar mantimentos, buscar a aposentadoria do pai no banco.

Eis a minha vida, pensa enquanto coloca na bandeja o café com leite quente, as bolachas preferidas do velho.

Os irmãos casados, não visitam o pai viúvo. Ela que ficara solteira, assumira o controle da casa e os cuidados com o pai.

O amor estava lá. Tinha dias que duvidava ainda amar o pai exigente e intransigente, mas no fundo, ele estava lá.

Era o que a movia. Somente isto, esta força estranha e desconhecida que ela abrigava no peito e que conseguia romper com todos os desafios de sua vida triste e vazia.

O amor.

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Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 29/06/2010
Reeditado em 01/07/2018
Código do texto: T2349082
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