Livre Arbítrio 2
Posso fazer o que eu quiser. Inclusive nada; que é a melhor maneira de contemplar a vida.
Lembrei-me de um cliente que tive. Era dono de uma padaria. Ele trabalhava de doze a quinze horas por dia sem distinguir domingo de segunda-feira.
Certo dia fui vender minhas mercadorias pra ele. Os funcionários cochichavam entre risinhos débeis. Foi a Caixa quem esclareceu: “O patrão ta lá no fundo da loja sentado há mais de quatro horas, não sai do lugar, não fala nada. Acho que enlouqueceu”. Fui até lá e o encontrei sentado debaixo de uma árvore. Com um gesto vago me convidou a sentar. Varri a indecisão, coloquei meu material de lado e sentei ao seu lado. Nada falei. Ele contemplava a árvore, buscava detalhes. Eu o imitei. Era uma árvore grande e imponente. Depois de uns vinte minutos escutei sua voz: “Que árvore espetacular, não acha”? Concordei em silêncio, mas com sinceridade. “Creio que é uma Palmeira”. Disse ele. Olhei cientificamente aquele ser suntuoso, belo e quase imóvel. “Também acredito que seja uma Palmeira”, arrisquei. Ele pareceu gostar da minha opinião. Mais um hiato se estabeleceu. Depois disse me olhando nos olhos: “Tenho essa padaria a mais de vinte anos e nunca notei essa árvore. Como pode? Como posso ter passado tanto tempo sem notar a presença de algo tão grande, tão lindo, tão imponente?”.
Olhei para ele e tive o ímpeto de dizer um milhão de coisas, mas nada saiu. Ambos voltamos nossos olhares para ela e permanecemos em silêncio sob sua sombra.