Aconteceu numa estação de trem
Um homem, decidido, se aproximou do parapeito da estação. Aquela seria sua ultima imagem. Não havia mais motivos de viver.
O nome? Jair.
Idade? Quarenta e cinco anos.
Formação superior.
Destacado agente financeiro de uma multinacional. Dedicado chefe de família. Vivo em sonhos e projetos. Quando mais conquistava, mais queria, mais trabalhava, mais demonstrava sentimentos adquirindo bens e presenteando com bens.
Só que existia um vazio.
Não lia.
Não ouvia.
Não curtia.
Faltava tempo para um bom vinho com amigos; Faltava objetividade para uma conversa fiada; não reparava o nascer do sol, mesmo passando diariamente pelo Arpoador dirigindo o ultimo tipo de conversível; não sentia o perfume das flores, só dos muitos “franceses” comprados a peso de ouro; nem o sorriso das muitas crianças que passaram despercebidas nas ruas de sua vida, só os gemidos comprados em anúncios de prostituição.
Primeiro a agonia de conquistar. Depois a mesma agonia de manter, seguido pelo medo de perder. Só via ameaças em tudo e todos. Não falava. Não confiava. Não amava.
A conta bancária cada vez mais alta, a vida cada vez mais superficial.
Um dia se viu chorando com saudades das brincadeiras de infância, das “doideiras” dos tempos de adolescentes; dos amigos da “dura juventude”. Dos tempos de apertos de mão e abraços sem compromisso de um novo contrato. Do tempo em que vivia sem a preocupação com o amanhã. Só que, no seu pensamento, não podia voltar. Neste momento se viu preso num casulo construído em mármore de alta definição.
Escutou o ruído da chegada do trem. Estava na hora. Largou a mala e olhou decidido para a linha. Apoiou os braços na mureta. Seria um único impulso e pronto. Esperou o momento da partida do trem. Ouviu a ultima chamada e o sinal da partida. Fechou os olhos e “agora”!
De repente, sentiu algo em uma das mãos. Algo que desviou sua atenção. Abriu os olhos e se deparou com um menino. Magrinho. Olhar profundo. Mal vestido. Um menino com uma caixa: “Moço, o senhor quer comprar chicletes?” Jair não conseguiu responder. Só ficou ali olhando em direção ao tal menino. O suor molhava mais ainda seu rosto. Procurou um trocado nos bolsos. Não encontrou. “Desculpe, acho que não tenho” respondeu. “Tudo bem. O senhor compra depois” respondeu o menino se afastando. Jair, não pensava. Só olhava a figura que aos poucos se afastava dele. Num impulso, pôs uma das mãos no bolso do paletó. Achou a moeda de um real. Olhou em direção do pequeno vendedor e correu para alcançá-lo.
Enquanto isso, o trem se foi daquela estação e da vida de Jair.