Fantasma não existe

Saber esperar nunca esteve entre minhas melhores qualidades. Aliás, não gosto de esperar, tampouco gosto de fazer os outros me esperarem. Mas as vezes salas de espera rendem boas conversas. Enquanto espero minha vez num salão de beleza, alguém puxa conversa comigo...

- Oi, cadê seu pai? – me pergunta uma menininha de uns quatro anos no máximo. Ela deve ter me perguntado pelo fato de eu estar sozinha e ela estar acompanhada dos pais, na certa.

- Meu pai foi fazer uma longa viagem – respondi. Na verdade ele falecera há dois anos.

- Hum... você não fica com saudade dele não?

- Muita... mas um dia a gente se vê de novo – agora estou folheando uma revista disfarçando minha preocupação aonde chegaria aquela conversa.

- Você veio aqui para ficar careca? – me pergunta com rostinho maroto.

- Não, cortarei só as pontinhas do meu cabelo – mostro para ela o tanto.

- Você tem um quarto só seu? – crianças emendam um assunto no outro, não?

- Não, tenho medo de dormir sozinha, por isso durmo com minha irmã.

Ela coloca as mãozinhas sobre minhas pernas, compadecida.

- Mas, por quê? – franze a testa.

- Tenho medo de fantasma – digo sussurrando no seu ouvido. Já estou me divertindo com ela.

- Mas fantasmas não existem! – grita, e todo mundo me olha - Você não reza não?!

- Rezo e você? Fala com Deus também?

- Falo, mas... – diz inocente – ele não fala comigo!

- É porque você é criança, quando você crescer vai conseguir escutá-lo - tento me fazer de esperta.

- Será?! – apreensiva – Você aprendeu?

- Estou aprendendo – digo sinceramente.

- Então ou você não escuta direito ou ele ainda não te disse para não ter medo, porque fantasma não existe né?

Deixou-me sem resposta a espertinha. Apenas ri.

setembro/2002

Cláudia Sabadini
Enviado por Cláudia Sabadini em 07/09/2006
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