Para sempre
Delicadamente, Neuza entrou no quarto do hospital. O coração palpitou ao ver Judith, amiga há 30 anos, inerte naquela cama. O aspecto era de alguém muito cansada. A pele branca tinha um tom mortal. Os olhos cercados por fortes olheiras roxas, em muito contrastava a alegria de outros tempos. Neuza segurou o choro. Aproximou-se, pôs as mãos sobre as da amiga que lentamente abriu os olhos e esboçou um sorriso. Um câncer raro foi diagnosticado em um exame de rotina e num espaço de três meses, Judith estava alí a espera da morte.
Naquele breve sorriso, havia as lembranças da amizade que começou no "cientifico" do Colégio San Martin, na pequena cidade de Joaquim Silva. A vida juntou as duas morenas que viveram as desventuras, e aventuras, de adolescentes, passaram pelas descobertas da fase adulta, incluindo casamento e filhos e as soluções da fase madura da vida, no caso de Judith, marcada pelo divorcio e pela dor da perda de um filho. Mas sempre juntas, em conversas, encontros e vida.
Assim como quase tudo em anos, voltaram para o presente em pensamentos e os olhares, mais uma vez, se encontraram. As mãos frias de Judith apertaram as da amiga. Instintivamente, Neuza tirou o celular da bolsa e acionou o botão do MP3 e a música "Evie", na voz de Johnny Mathis começou a tocar. Em segundos a poesia da vida foi restaurada. Neuza passou a bailar em resposta a melodia que marcou o baile de debutantes da amiga que respondeu com um sorriso ainda mais presente. Naquele momento o que importava era a vida. Neuza dançava em homenagem a amiga e com olhos marejados, fazia daquele momento, a mais profunda homenagem ao amor. Não importava o motivo, importava que estavam mais uma vez juntas e amigas.
Não percebeu a figura da senhora vestida de negro que observava e aguardava o momento certo de, também, entrar no quarto.