E DEUS AJUDOU MINHA MÃE...
Pela calada da noite se ouve um grito lancinante de mulher saindo daquele casebre situado á beira do caminho de terra. Após mais dois gritos estridentes de dor, um choro de bebê se faz ouvir na noite escura. Se alguém pudesse penetrar no interior da parca habitação veria á luz trêmula de um candeeiro a petróleo uma jovem mãe acabando de dar á luz. Sobre a fornalha a lenha uma panela de ferro fervendo água. Sobre a velha cama está uma criatura minúscula chorando. A mãe titubeando, ainda dolorida, embala numa bolsa de plástico, os restos do seu parto. Em seguida faz sua higiene pessoal. O choro do bebê se torna cada vez mais insistente. Deitando água numa bacia, com delicadeza pega o novo ser e lhe dá o primeiro banho. Logo o coloca contra o seio e o amamenta com amor. Em quanto isso ela vai pensando na sua vida.
Uma imagem lhe vem á memória. Sua mãe se encontra caída ali diante da porta. Cheirando a bebida alcoólica e tendo as roupas em desalinho está inerte. Quando tenta levantá-la não consegue Sua mãe sem ter completado os seus quarenta anos morreu ali sem dizer um ai. Nem sequer tinha chegado a saber que ia ser avó. Oito meses passaram, mas esta imagem daquela que a deu á luz não sai dos seus pensamentos. Durante os dezoito anos da sua vida poucas vezes tinha visto sua mãe sem os efeitos do álcool. Somente durante os meses de verão, período em quem as duas trabalhavam nas fazendas vizinhas, ela bebia menos. Durante o resto do ano ela saia de casa á tarde e só voltava de manhã. Tinha vezes que nem voltava. Desde menina sabia que sua mãe se prostituía para poder sustentar as duas. Uma vez perguntou-lhe quem era seu pai. A mãe respondeu que não sabia. A mesma resposta ela terá de dar á sua filhinha que vem de nascer. Já antes da morte da sua mãe ela mesma também teve de se prostituir. Agora é a época do trabalho temporário. Ela conseguiu trabalhar quase até ao fim da gravidez. Com a recém nascida não sabe como vai organizar sua vida. Quando se deu conta de que estava grávida ela parou de se prostituir.
Uma das patroas que também vai dar á luz prometeu empregá-la para cuidar do seu bebê, assim ela poderá cuidar dos dois recém nascidos. Se isso se concretizar a sua determinação de não mais se prostituir se realizará.
Maria das Tranças, como ela é conhecida, só andou na escola dois anos. Isso foi o suficiente para aprender a ler e escrever. A pouca cultura que tem obteve-a da leitura de alguns livros. Durante o tempo em que pastoreou um rebanho de ovelhas ela leu muito. Uma das patroas lhe deu um pequeno livrinho que contém os quatro evangelhos e o livro dos Salmos. Leu-o tantas vezes que agora já está bem gasto. Andando sozinha nos campos atrás das ovelhas por vezes ela sentia uma presença ao seu lado. Ela acredita que era Deus caminhando junto com ela. A mãe dizia-lhe que era o anjo da guarda que todos nós temos a nosso lado par nos proteger. Porém ela nunca acreditou nisso. Se tal coisa fosse verdade a sua melhor amiga não tinha morrido naquele estúpido acidente de carro. Esse anjo a teria protegido. Por outro lado o que leu das Escrituras a convenceu de que se nós andarmos com Deus, Ele andará conosco. Muitas vezes ela fala com Ele confiando-lhe os seus problemas. Nesta hora está sentindo essa presença ali ao seu lado naquele modesto casebre. Então resolve fazer uma promessa. Não uma promessa daquelas que fazem as pessoas em geral: Ó Deus se tu me fizeres isto eu te faço aquilo.
Com humildade ela fala:
- Meu Deus, eu sei que tenho pecado muito contra ti. Senhor, peço-te perdão. Aceita também esta minha promessa: A linda menina que me deste, enquanto eu viver nunca se prostituirá. Eu não vou deixar. Se for da Sua vontade me ajuda nesta minha determinação.
Ela pôs á sua filhinha o nome de Maria Açucena em lembrança dos lindos lírios brancos que crescem na primavera ali diante do seu casebre. Mais tarde ela conseguiu estudar nos cursos noturnos. Depois conheceu um homem de boa família. Arnaldo de Couto e Melo é o seu nome. Ele esteve disposto a dar o seu nome á Maria Açucena. Não só o nome como também lhe providenciou uma boa educação.
Maria das Tranças e Arnaldo tiveram outros filhos. Porém, ela sempre teve um carinho especial por esta filha. Nos seus pensamentos chama-lhe: Filha da Promessa.
Este pequeno relato de vida podia bem ser o relato de milhões de mães solteiras por esse mundo fora. No entanto esta é a história da sua vida contada por uma bióloga portuguesa bem conhecida, a Doutora Maria Açucena de Couto e Melo. Por cima da escrivaninha no seu gabinete da universidade lisboeta onde leciona tem um quadro com estas palavras:
E DEUS AJUDOU MINHA MÃE...
Este também é o titulo do romance do autor que vai ser
publicado em breve!