Abedula – A Garagem econômica

* Da série ABEDULA

No início do século XX as construções que predominavam na zona urbana de Uruguaiana eram do tipo casarões, com o “pé direito” de no mínimo cinco metros de altura – grandes aberturas – alvenaria trabalhada e acabamento em mármore e madeira de lei . Não existia, contudo , garagem nas residências, pois ainda não estava difundida a cultura do automóvel.

A casa de Abedula não fugia à regra, e mesmo sendo bastante suntuosa não possuía garagem, apenas uma entrada lateral para o pátio guarnecida por um rústico portão de taboas forrado com telhas de zinco e nos fundos uma construção não menos tosca, tipo “meia água” com uma altura de apenas 1,70 metros, suficiente para abrigar carroças e “aranhas” muito difundidas naqueles tempos, bem como os primitivos Jeeps ou calhambeques, que por usarem capota de lona não prescindiam de muita altura para serem resguardados.

Abedula era um dos poucos avantajados de Uruguaiana que possuía um veículo automotor, um modelo da “studebaker” conversível, que se adaptava perfeitamente ao rudimentar abrigo da casa. Mas tudo mudou quando começaram a ser importadas para o Brasil as primeiras caminhonetas PIKCUP que despertavam cobiça. Numa viagem de compras a São Paulo, Abedula conheceu o modelo 1937 da STUDEBAKER e não se conteve, veio da terra da garoa já com a novidade para ser ostentada nas ruas de Uruguaiana.

O inesperado, contudo, era a garagem, visto que a “nova máquina” não cabia na altura baixa da rudimentar garagem – faltavam pelo menos uns vinte centímetros , já que a caminhoneta era bem mais alta que os velhos calhambeques e carroças , de modo que o árabe teve de deixar o veículo do lado de fora, na interpérie, contexto que trouxe bastante aflição para Abedula – “Buta que Bariu” .... reclamava o patrício ...

Os gozadores passaram a mandar pedreiros à casa comercial de Abedula, oferecendo serviços para construção de uma garagem e mostrando seus orçamentos. Claro que o árabe entrou em desespero, afinal já havia gasto mais do que desejava na compra da STUDEBAKER . Ninguém conseguiu convencê-lo a edificar uma nova garagem. – “Não bode mais gastar” , dizia Abedula .

Certa manhã, frio de inverno sulino , a vizinhança acordou com o ruído de pá e picareta no pátio da residência de Abedula . Alguns curiosos chegavam a espiar pelas frestas do portão , mas não era possível identificar o que acontecia. Ao final da tarde os amigos e vizinhos se surpreenderam ao ver a caminhoneta embaixo da tosca garagem com o teto do veículo quase se encontrando com o telhado da rudimentar obra.

Intrigados todos pediram para Abedula mostrar como havia conseguido a proeza e foram , então , convidados para conhecer a criativa “solução” encontrada pelo árabe. Simplesmente ele abriu duas valas com aproximadamente trinta centímetros de profundidade no trilho dos pneus da caminhoneta . Dessa forma, o veículo ficava semi-enterrado dentro do abrigo.

Por incrível que possa parecer, Abedula não gastou um único centavo e encontrou uma maneira de guarnecer a STUDEBAKER . Diz o folclore popular que em dias de chuva as canaletas abertas inundavam d´agua e exigiam muito cuidado do árabe para retirar o veículo ... Dizem , também , que o episódio serviu para reforçar a fama de “pão duro” dos árabes na cidade .