O DESAFIO

Havia muitos anos que ela vinda do interior morava na capital do Estado, inicialmente viera uma irmã com ela, mas como não se adaptara, voltara a terra natal a deixando mais uma vez só, não totalmente, pois ela sempre dizia que seu gato Mimi a ajudava a viver só, sendo sua companhia nestes anos em que ela morava só na cidade grande. Vera Maria, era esse o seu nome, uma característica dos nomes de todos os filhos de seus pais sempre dois nomes ela não se importava até achava bonito quem mais reclamava era seu irmão Pedro Paulo, que sempre dizia que ainda iria ao judiciário para suprimir um deles queria ser ou só Pedro ou só Paulo, ela já viera com a condição de assumir um cargo, opção que foi fundamental para que decidisse pela saída de sua pequena cidade, onde não teria condição de arrumar um bom emprego, mesmo que conseguisse um seria por um décimo do que chegara ganhando na capital. Daí a sua opção, tentou fazer com que sua irmã a acompanhasse mas não conseguiu, depois de um tempo a abandonara e foi de volta matar as saudades dos que ficaram lá na pacata vida do interior. Morava desde sua chegada em um mesmo local um bairro que ela apreendera a gostar, alugou inicialmente o apartamento de dois quartos no oitavo andar, logo depois soube que os proprietários tinham interesse em vendê-lo e depois de começar uma negociação que se estendeu por quase um ano, fechou negócio financiando uma parte do agora seu apartamento.

No início, dessa vida na capital, teve dois namorados em épocas distintas e nesses dois relacionamentos em que ela acreditava que cada um deles seria duradouro se não para sempre pelo menos para muitos anos, mas as decepções foram grandes e ela se afastou um pouco desse envolvimento amoroso passando a olhá-los com uma certa descrença se tornando conseqüentemente cada vez mais exigente nas escolhas e assim tornando quase impossível que alguém se encaixasse no seu perfil buscado. Mas conservava boas amizades, que fazia a partir de seus colegas de trabalho na repartição onde passava o dia ou pelo menos grande parte dele. Dia esse que o Mimi via passar pela janela do apartamento, solitário, olhando as pombas voando ao longe, sabendo que jamais as poderia tentar sequer pegá-las, eram inalcançáveis para ele. A maior benesse que tinha por parte de sua dona era deixar a basculante da janela levantada para que ele pudesse olhar através do vidro transparente da janela o dia passar por essa janela.

Através das amizades dos colegas outras foram surgindo, fazendo aumentar o círculo de amigos, dos quais vivia cercada, saiam juntos e eventualmente os recebia em sua casa.

Nessa vida, regrada que tinha, quase sem consumo de álcool, saindo pouco a noite e uma alimentação que procurava que fosse o menos artificial possível e com a ajuda de algumas caminhadas no fim de semana em um parque próximo a sua casa, Vera Maria mantinha seu peso proporcional a altura a ponto de ter a silhueta elogiada pelos colegas sobretudo as colegas por manter-se esbelta por tanto tempo, sendo que a maioria de suas colegas travava uma luta árdua contra a balança.

Vida calma, tranqüila, monótona, recebeu um dia amigos em casa, entre eles o Carlos que contou que estava trabalhando em um departamento de pesquisa de novos medicamentos e que estavam buscando pessoas que se dispusessem a ganhar peso de 20 kg e depois se submetendo ao tratamento com esse produto pudessem perder esse peso ganho, comprovando assim a eficácia do produto, mas que estava difícil de montar um grupo pela falta de coragem das mulheres quando o assunto era ganho de peso e mesmo sabendo que perderiam logo em seguida esses quilos mas o fato de não terem coragem de ficar nem sequer uns poucos meses gordas. E nesse assunto se envolveu todo o grupo a discutir e como a anfitriã tivesse saído em defesa da coragem das mulheres, foi questão de tempo e o desafio foi posto em suas mãos e como estava em busca de novidades e não era mulher de recuos e mesmo estando um pouco temerosa não queria voltar atrás então na frente do grupo topou o desafio de se submeter a ganhar 20 kg. Feito o registro e estando todas suas colegas e amigas boquiabertas com a coragem da amiga no outro dia começou com a supervisão do Carlos o tratamento intensivo ele indicava este ou aquele alimento que teriam mais calorias e assim proporcionaria um ganho de peso em menor tempo tudo regado a muita cerveja que segundo o técnico no tratamento era a melhor arma para o ganho de peso imediato.

Os dias se passavam e a moça antes esbelta e fininha começava a ganhar volume e já se podia notar os vários quilos a mais, sem muita dificuldade e seguindo a risca o tratamento do Carlos quatro meses depois conferido pela balança os vinte quilos ganhos. Vera Maria se achando horrível, feia, gorda, mesmo todos de suas relações sabendo que fora uma aposta e que seria em breve revertido, ela já não saia de casa, era do serviço para casa e da casa para o trabalho, até o Mimi a olhava desconfiado, parecendo não acreditar que era sua dona, aquela que era tão bondosa para ele ao deixar a janela da sala aberta para que ele pudesse olhar o dia passar por ela.

Mas até que enfim era chegada a hora da reversão, segundo o Carlos, apenas três comprimidos ao dia antes de cada refeição e assim foi feito e os dias foram passando e cinco dias depois vencendo todos os medos enfrentou uma balança da farmácia no caminho de volta do serviço e os seus temores se confirmaram. A constatação de ao invés de perder peso ganhou mais, estava então dois quilos mais pesada, nesses cinco dias de tratamento para reverter o quadro. Ela já temia por isso pois sentia que todo seu corpo parecia não reagir, se sentia mal, pesada, incômoda e incapaz de reagir, achando que quanto menos comia mais engordava, entre lágrimas que molharam o pelo do assombrado Mimi, confidenciou ao Carlos a desgraça que a balança lhe provara, ao que ele disse não saber o que estaria acontecendo que era um fato atípico que com todas as outras que se submeteram ao tratamento funcionou, a perda de peso se deu naturalmente ao inverso do ganho e que talvez tenha lhe sobrevindo algum outro problema de saúde, glandular, hormonal, sabia ele lá o que se passava com aquele corpinho outrora escultural.

No outro dia dessa noite que não pregou o olho, ela, sempre assídua ao serviço, nesse dia, não foi trabalhar, saiu em busca de um médico que a pudesse auxiliar, acreditando que servira de cobaia para um laboratório de fundo de quintal que não tinha certeza da eficácia de seu produto. Começou o dia em um clinico geral e no final do mesmo estava em um neurologista, sedada, se achando incapaz de superar esse ganho de peso havido.

Mas conseguiu com esse médico calmantes fortes que a acamavam um pouco e como não estava habituada com o uso de tais medicamentos, exagerou na dose não acordando no horário no outro dia foi mais uma falta ao trabalho, o Mimi hoje teria mais alguém para olhar pela janela com ele.

E os dias se passavam e o peso não diminuía e as doses de calmantes aumentavam e os amigos antes tão presentes agora estavam sumindo, o primeiro a desaparecer foi o Carlos, está cada vez mais difícil de sair de casa, para o trabalho, agora Vera Maria está com um neurologista novo, esse inovou em seu tratamento, lhe dá um calmante forte a noite para que durma oito horas e ao acordar ela toma um que lhe mantém acordada por mais oito horas e assim passam os dias, o remédio do Carlos já desistiu de tomar, entre tantos outros que tem de tomar agora e ela sabe que não faria efeito mesmo. O Mimi que não entende mais nada antes era só naquele apartamento calmo em que passava o dia olhando pela janela, agora sua dona está sempre deitada olhando para o teto da casa onde não passam pombos. E os pombos continuam voando lá fora mas sua imagem já não reflete no espelho grande da sala, que agora está coberto com um lençol, será que sua dona não gosta mais de pombos.

Diniz Blaschke
Enviado por Diniz Blaschke em 15/06/2010
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