A REUNIÃO

Alguns já estavam sentados em volta da mesa grande, sólida de madeira nobre na cor palha com desenhos dos nós originais da madeira representando, com boa vontade de interpretação pelo menos, figuras que tanto podiam ser geométricas como seres mitológicos ou deuses da antiguidade. Dessas madeiras nobres, que só as cultivadas tem sua autorização para o abate e conseqüente criação desses maravilhosos móveis, as que se criam naturalmente nas florestas tropicais de onde são originárias são preservadas os ecologistas as defendem com unhas e dentes, mas as cultivadas deixam-nos conviver com essa maravilha, talvez mogno, na construção do móvel. Claro que custam o olho da cara, mas essa mesa veio para a empresa em uma época de vacas gordas em que se vendia muito, hoje apesar de todas as reuniões as vendas não deslancham e olha que não é problema do vendedor a quem normalmente o supervisor acusa pelo e responsabiliza pelo baixo desempenho da empresa neste ou naquele mês, talvez seja só o mercado, crise internacional, sei lá.

Essa reunião de hoje havia sido marcada para as oito horas, já se passavam um quarto de hora e menos da metade dos vendedores e supervisores se faziam presente e isso que fora marcada pelo diretor, mas também eram tantas as reuniões e tantos cancelamentos dessas que o pessoal já estava meio desanimado com esses possíveis ou prováveis encontros.

Quem sempre chegava cedo e não perdia nenhuma convocação era o Marco, esse um alemão muito alto e magro tinha os braços muito compridos desproporcionais ao tamanho do corpo os colegas logo o apelidaram de albatroz, pois os braços eram como se fossem asas, esse Marco chegava sempre cedo pegava um copo de café, pois disposto no balcão encostado a parede da sala de reuniões uma bandeja com café e copos para o pessoal se servir e acalmar os ânimos, então o Marco pegava um copo desse café e sentava á mesa e abria sua agenda disposta em sua frente junto com sua calculadora HP e ficava bebericando café e folheando a agenda como se calculasse as vendas realizadas no mês passado e as certas deste mês. Eventualmente entrava na sala e passava por ela saindo por outra porta o Solano, que era supervisor, era o matusalém dos supervisores, diziam que havia trabalhado com o fundador da empresa, isto é, a muito e muitos anos, marcas desse tempo que ele trazia no rosto como que para comprovar a sua longa experiência, esses inúmeros vincos eram sua marca registrada junto ao cabelo ou o lugar que esse cabelo ocupara um dia pois agora só restava a careca lisa, certamente fora perdido por essas peripécias das batalhas que são as vendas em determinadas épocas quando é preciso se arrancar venda para a sobrevivência do vendedor e da empresa mesmo em uma conjuntura totalmente desfavorável., diziam que o Solano usava dentadura e quando ficava nervoso caminhava de um lado para outro mastigando a dentadura e quando um vendedor subalterno seu tinha uma notícia não muito boa a lhe dar ás vezes para comunicar uma venda perdida para a concorrência, primeiro perguntava a secretária mais próxima se estaria ele mastigando a dentadura ou não para só depois deixar o ferimento pois ele considerava a venda perdida quase que uma vida perdida dizia seguidamente quando lhe davam a noticia – me feres mortalmente – pois ele passou na sala mastigando a dentadura e falou qualquer coisa sobre prospecto antes de sair da sala por outra porta mas sem muita vontade que lhe compreendessem e os que estavam na sala sabiam também que não era para ser compreendido.

Estava também sentado, aguardando o início dos trabalhos, o Getúlio, esse todo bonitão, era o galã da equipe, diziam que antes da agenda colocava na pasta um espelho, desses de cabo, para se olhar constantemente, pois precisava manter a disposição do cabelo, sempre perfeitamente alinhado no tempo das vacas gordas foi campeão de vendas por vários meses seguidos, tinha seus defeitos, mas vendia muito, sabia aproveitar muito bem as oportunidades surgidas.

Ao seu lado o dentinho, esse eu considerava o maior vendedor da empresa, pois já tinha trabalhado com ele, testemunhei quando determinado negócio estava praticamente perdido o dentinho o reabilitava novamente, afastava a concorrência e pimba, venda realizada, matava a cobra, esse dentinho era muito bom, claro como todo bom profissional de vendas tinha seu ponto fraco e o seu era o pano verde, quando caia nele deixava toda a comissão do mês e lá se iam as grandes vendas e ele só levantava da mesa de jogo quando não tinha mais o que perder ai saia novamente em busca das grandes vendas, dos grandes negócios para recuperar o prejuízo, como ele mesmo dizia. Esse dentinho era uma muralha, uma fortaleza vendendo e no entanto se mostrava tão fraco, totalmente entregue em uma mesa de jogo, já havia em função dessa perdição, sido abandonado pela mulher, Lúcia era o nome dela, muito bonita, mas cansou de ouvir promessas do dentinho que fora essa a última vez, desistiu a Lúcia, jogou a toalha, talvez tenha se conscientizado que o dentinho, esse vendedor imbatível, seria sempre incapaz de superar essa fraqueza pelo jogo, ela então voltou para a casa dela com o filho pequeno do dentinho, que também chamavam dentinho, pois por ser filho de quem era tinha também os dentes salientes

Essa área de venda em constante tensão e com muita cobrança por parte dos superiores desajusta as pessoas que se frustram quando não conseguem alcançar os índices programados e acabam ou jogando ou bebendo. Quantos já passaram por aqui e estão na bebida hoje, o Natanael, negrão forte, bom vendedor, no desespero trocou o peru – a empresa sempre próximo ao natal em uma festinha dava um peru a cada funcionário – pois o Natanael já saiu da empresa meio grogue aquele dia e sem saber o que fazer com o bicho e precisando urgente de uísque, trocou o peru por uísque, ai o demitiram, não pela troca, mas pelo que ele já vinha aprontando em função do álcool.

Teve o caso do Márcio um excelente vendedor mas que em determinada época do ano dependendo do desempenho do gráfico de vendas surtava e se encerrava em seu apartamento desligava telefone e ficava só sem contato com ninguém por vários dias sem sequer tomar banho, dizem que ficava deitado em posição fetal com barba por fazer banho por tomar por dias até que passava o surto e ele aparecia novamente muito bem disposto como se nada se houvesse passado e vinha com fome de venda e todo mundo já sabia quando ele sumia não adiantava procurar tinha de esperar passar a fase, a empresa era tolerante com ele por saber que na volta ele compensaria esses poucos dias do retiro com muita venda sempre fora assim ele chegou a surtar quando fazia um curso em São Paulo passou uma semana no hotel e o pessoal do hotel que não sabia do fato preocupado e nesses dias nem as camareiras podiam entrar para limpar.

Agora o Maurício entra na sala, ele também é supervisor, coitado passa por maus bocados com o filho adolescente que é viciado em drogas fortíssimas por mais que venda e atinja objetivos nunca supre as carências do filho, dia desses bateu o carro novo que o Maurício paga ainda em suaves prestações e em função de não ter cláusula no seguro que autorizava o filho dirigir perdeu a cobertura e conseqüentemente o carro pois foi perda total. Cobrado sobre a reunião pelo pessoal da távola o Maurício diz não saber que o ambiente está tenso e que o Lucas ontem a noite foi demitido. O Lucas vendia em uma região contígua a minha, realmente sua venda não ia lá essas coisas, mas dai a demiti-lo ou talvez possa haver outro motivo por trás disso.

O Maurício vai no controle do ar condicionado e altera a temperatura para menos diz que está muito frio imediatamente cria um tumulto uns reclamando uns concordando é os nervos estão a flor da pele até a temperatura ambiente é motivo de discórdia.

Mas empresa de venda só tem seus problemas internos solucionados com a concretização da venda, quando a venda está boa e as metas estão sendo atingidas tudo funciona bem, tudo anda as mil maravilhas, diretores sorrindo, qualquer ação é motivo para elogios. Mas em fases como esta que estamos atravessando é essa tensão toda, todos tem a espada de Dâmocles sobre suas cabeças a tensão está no ar, qualquer gesto ou palavra é motivo para rosnares e desentendimentos, pois não se vende nada. Mas que fazer? Esperar a fase passar? E enquanto isso aguardamos o diretor, fazendo como o albatroz, quieto, tomando café.

Quando o relógio da parede da sala um que tem o desenho de um jogador de golfe no mostrador e bate a cada hora cheia como que avisando os vendedores que as horas estão correndo e a venda não está sendo realizada, marca nove horas, entra na sala a Verônica que é uma loirinha linda e dizem que muito eficiente, poliglota com especialização no exterior e na empresa é secretária do diretor e comunica que ele manda avisar que a reunião está cancelada e que é para os vendedores irem ao trabalho que a empresa precisa de venda e os supervisores devem subir para se reunir com ele em sua sala.

É mais uma reunião que não saiu, mas que fazer? A solução é ir para a rua vender, pois empresa de venda é assim mesmo, só a venda é a solução do problema e quando ela não vem o dia a dia da empresa é essa tensão e nervosismo o dia todo, todos os dias.

Diniz Blaschke
Enviado por Diniz Blaschke em 15/06/2010
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