FADA MATERNA

Foi um pouco ausente na minha vida, por muitas vezes senti falta dela, por outras quando ligava em desespero, por alguma presepada de garoto que eu tinha o fino de encontrar, lá estava ela pronta acudir o filho encrencado.
Ela vinha me visitar quase que semanalmente, digo quase, porque havia fins de semana que ela não aparecia, me estimulava com promessas de presentes, todas cumpridas, para que eu tivesse um bom desempenho escolar, na minha infância, entre os seis e nove anos, com ela passeava muito, lembro ainda da primeira vez que fui à montanha russa num grande parque de São Paulo, que na época era a coqueluche dos parques, a novidade da cidade, eu entre os dois, ela e o namorado, se agarravam loucamente numa simples barra lateral ao carrinho, enquanto o em alta velocidade, subia e descia loucamente pelos trilhos, entrava em curvas laterais, quase que jogando os tripulantes para fora, sai de lá com o coração na garganta, entre meus amigos eu falava orgulhoso da aventura, também me lembro do passeio que eu adorava fazer no Metro, recém construído, havia apenas a linha Jabaquara-Santana, uma novidade para mim, claro que para ela já era um meio de transporte, e de tanto que utilizava já não tinha mais nada de novidade, mesmo assim ela me levava pra fazer tal passeio.

Foi dentro do Metro que me enfiei na primeira encrenca, já adolescente, numa época que ser revoltado era moda, os Ramones, The Clash, Camisa de Vênus entre outras bandas fazia a cabeça da molecada, lá estávamos nós na plataforma, nos denominávamos uma Turma Rebelde Anti Social, o trem chega à plataforma e freia para entrada dos passageiros, adesivos na porta indicavam por onde entrar e sair dos vagões, fomos nós fazer o que qualquer cidadão do mundo civilizado não faria, arrancar os adesivos das portas, entramos sorridentes se achando livre de qualquer punição, seria o sucesso da anarquia se num fosse ainda antes da porta fechar seguranças da companhia entrar apressado dentro do vagão, vestiam-se de preto, apelidados por todos de “Urubus”, terminamos naquela noite de frente ao encarregado dos seguranças que cogitava nos enviarem para as autoridades, pedimos a oportunidade para ligarmos a nossos responsáveis, ele aceitou a condição e impôs que não sairíamos dali sem a chegada dos mesmos, claro que liguei para a mamãe, que chegou com cara de poucos amigos, me repreendendo pelo feito, teve que assinar um termo de responsabilidade, para me retirar, não foi fácil agüentar o mau humor dela até que eu chegasse a minha casa.

Comecei a trabalhar, era Office Boy num pequeno escritório de advocacia e contabilidade, eu atendia ao contador enquanto o advogado tinha seu próprio Boy, ocorreu por coincidência ter serviços em comum no centro da cidade, do escritório saímos juntos, pegamos o ônibus chamado de elétrico, funcionava conectado aos fios de eletricidade, menos poluição, num gastava combustível, uma ótima idéia se não fosse uma lata velha barulhenta demais, dentro parecia estarmos num liquidificador de tanto que chacoalhava aquele coletivo, existia neste ônibus banco virado para trás, que deixava você de frente com outros passageiros, éramos encarados insistentemente por um rapaz que fazia um tipo da época, chamávamos de “Função”, ou seja, usava boné, correntes, camisa de time de futebol um pedaço de couro nas barras da calça, ele nos qualificava como “Os Boys”, não demorou muito para nos sentirmos incomodados pela aquela situação, levantamos irritados passamos entre os passageiros sem lugar, de pé se espremia loucos para dali descer, de frente com o “Função” que continuava sentado, fazendo o tipo sou imbatível, interrogamos o motivo que tanto nos encarava, e de maneira folgada e em tom desafiador, disse que encarava mesmo e qual seria o problema, mostramos para ele qual seria o problema desferindo socos e chutes contra o garoto, o problema para ele foi o nariz quebrado, o coletivo parecia uma lata de sardinha com um cardume inteiro assustado, uns pulavam a catraca implorando para o motorista parar, outros achavam tratar-se dum assalto e gritava desesperado pela policia na janela, foi um verdadeiro perereco, até que enfim, o coletivo para as portas se abrem, e quando pensamos que dali sairíamos impunes, lá estava os dois policiais aguardando pela nossa saída, em plena Praça da Sé, revistados e algemados, na época a Policia de São Paulo tinha um veículo Kombi cinza, denominado Viatura Pólo, não me perguntem, até hoje não sei porque este nome, fomos jogado, no banco traseiro, isolado, num espaço apertado e totalmente fechado se não fosse por um pequeno orifício para entrada do mínimo de ar, estávamos incertos no que ia acontecer, rodaram com a gente pela cidade, até que depois de parada brusca a porta se abre, estaríamos livres?

Claro que não, o policial recolhe um mendigo daqueles dos mais fedidos para colocar conosco num espaço apertado, sem ar, que se limitava a três pessoas bem apertadinhas, foi um caos, depois de dez minutos rodando eu já pedia pelo orifício para que nos levassem a delegacia, pois o fedo era insuportável, após meia hora meu pedido foi atendido, sai da viatura até tonto, e os soldados em gargalhadas deixaram-nos no Distrito Policial.

Um delegado, baixinho, mal encarado, que não passava de um metro e sessenta de altura, encheu nossas orelhas de tapa, fez o Boletim de Ocorrência, e em seguida ordenou a dois soldados que nos levasse, para onde eu não tinha idéia, mas sabia que num seria nada bom, então passeamos numa outra viatura da época, um opala comodoro, conhecido na época como o “Opalão”, depois de ruas e mais ruas, e já anoitecendo paramos de frente uma edificação, na qual li nos dizeres acima do portão “Fundação do Bem Estar ao Menor” conhecida também como “Febem”, naquele momento eu sabia que estava realmente encrencado.

Lá dentro passamos por uma triagem, colocamos as vestes remendadas da instituição, e um chinelo de tiras, uma calça larga que me fez pedir meu cinto, o sorriso do agente já me fez crer que eu estava pedindo demais, foi então que ele estende a mão me oferecendo um pedaço de barbante, achei um desaforo, olhei para outros meninos e lá estava o barbante amarrado na calça deles para segurar na cintura, então soube que não adiantaria eu reclamar, sentado após a triagem entre os garotos se aproxima da gente outro garoto, notamos ser mais experiente dentro daquele ambiente, nos informando o quadro sinistro que iríamos nos deparar após passar porta que dividia o setor de triagem dos dormitórios, nem minha faixa azul com vermelha conquistada até aquele momento na academia de Tae Kwon-Do do bairro conseguiria me livrar de ser estuprado, fiz apertar mais o nó do barbante, nos informou, o garoto, que a hora limite para sermos retirados dali era às vinte horas, caso contrário seríamos todos guardados nos dormitórios, então somente no dia seguinte, me perguntava, como eu sairia dali se ninguém me deixou dar um telefonema, minha mãe nem estaria sabendo de tudo que estava acontecendo comigo, o relógio de parede indicava dezenove horas e trinta e cinco minutos.

Eu olhava fixamente ao relógio vendo cada volta de seu ponteiro, angustiado, com medo, me preparando para o pior, meu amigo de serviço permanecia cabisbaixo, pensante, permanecíamos sem uma lágrima soltar, não apelamos para o choro em nenhum momento da situação, éramos talhados nas duras ruas do bairro hostil da periferia de São Paulo, embora na minha cabeça passasse pensamentos que aquela seria uma situação de grau maior que eu enfrentaria, dezenove horas e cinqüenta minutos, os agentes começa chamar em grupos nome por nome dos menores infratores, colocando em fila, para adentrar aos dormitórios, expressando a situação na gíria daquele momento, “a casa caiu!”, o medo tomou conta de mim, e quando ouço a voz grossa e alta do agente chamando pelo meu nome e de meu amigo, as pernas bambeiam, levanto e me coloca na fila, mal conseguido parar em pé, olho novamente no relógio, dezenove horas e cinqüenta e cinco minutos, então ouço uma voz distante familiar embora abafada, de tanto a ouvir esta voz de forma abafada da barriga, talvez meus ouvidos não estavam me enganando, uma porta lateral a recepção se abre e surge a mãe do meu companheiro chorando correndo a abraçar o filho, em seguida aparece a minha com uma fisionomia que eu já sabia, estava puta da vida, minutos depois eu já estava num ônibus indo para casa, minha mãe foi todo trajeto calada, mas em casa me deu um belo esculacho, seguido de outros esculachos de minha tia e minha avó pessoas que me abrigavam na época.

Dezoito anos, eu no mesmo ônibus elétrico que dispensa comentários, o leitor já faz bem idéia do que se tratava àquela lata velha, chegando ao ponto final, já de casa no bairro do Ipiranga, me encanto por uma linda morena, entre troca de olhares e piscadelas me encho de coragem e me aproximo para conversar e quem sabe sexo, dei uma dentro, minutos depois estávamos num motel não muito longe dali, transamos feito dois animais no cio, eu no auge da minha irresponsabilidade não usei preservativo, a AIDIS estava começando a fazer vitimas por todo mundo, em casa aquilo começou atormentar meus pensamentos, era como se eu tivesse comido um doce estragado no qual o efeito ia me consumir lentamente

Se não bastasse via na televisão o Cazuza, um astro da música nacional, que contaminado pelo vírus ia cada vez mais sendo vencido pela doença, e toda vez que eu via uma apresentação dele ficava mais abalado, eu já cantava o sucesso “Faz Parte do Meu Show” como se fosse o próprio Cazuza, aquela situação estava me deixando pirado, num teve jeito passei a mão no telefone e me abri com mamãe, ela criticou duramente meu ato irresponsável, mesmo assim, lá estava ela comigo no Hospital das Clinicas fazendo o Teste de Soro Positivo, o resultado sairia após trinta dias, e como demorou passar estes dias, com a ignorância da época e a paranóia que me atormentava, me fazia subir na balança dia após dia pra ver se não estava emagrecendo, olhar detalhadamente cada parte do meu corpo em busca de qualquer pequena mancha, pentear o cabelo e em seguida olhava o pente para ver se meus cabelos não estavam caindo, ficar fixo no espelho observando se meu rosto não estava secando, murchando ou aparecendo covas que me deixasse parecido com o Cazuza, ao passar o mês, minha mãe surge na porta de casa, ao entrar senta comigo, faz um clima de suspense, deixa uma dúvida no ar, sua face me fez gelar, eu já pensava, abre a cova que to caindo, foi então que sem mais sem menos ela abriu um belo sorriso e me informa que o Teste foi negativo, foi tão bom ouvir aquilo, parece ter retirado das minhas costas mais de uma tonelada

Minha Mamãe sempre foi na minha infância e juventude como uma Fada, igual aquela do Pinóquio que o tirava de diversas encrencas, também foi neste período um ícone, uma referencia, um porto seguro, eu mesmo diante de tantas encrencas com aluno, sem ser reprovado passando de ano sempre com boas notas, não era um exemplo em comportamento, travessuras que quem sabe um dia conto, embora por estes pequenos desgostos por mim relatados, todos eram muitos orgulhosos de mim na questão escolar.

Anos mais tarde minha Mamãe teve muitas dificuldades, mas isto são linhas para um texto futuro...





Noronha de Araujo
Enviado por Noronha de Araujo em 11/06/2010
Reeditado em 28/06/2011
Código do texto: T2314207
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