FRANCESCO CAPETO - Aventuras na velha Itália

FRANCESCO CAPETO

Baixinho, magro, natural da Sardenha, com cerca de 60 anos de idade, o Francesco é uma figura antológica. Cumpriu pena de 16 anos (segundo sua narrativa) - pelo seqüestro do cantor-compositor e ídolo da música italiana dos anos 1970/1990, Fabrízio d’ Andre, falecido na primeira década deste milênio. Assim nos contou, durante uma farra.

O Francesco andava armado, sempre com um revólver 38 na cintura; ele veio abrigar-se no mosteiro onde nos hospedamos (eu e meu filho Ricardinho) em C’otrebbia Nuova – Calendasco – Piacenza.

Amigo de Don Giuseppe, vigário da Paróquia, o Francesco costumava dizer que o Padre conhecia seus segredos, assim como ‘io sapevo tute de lui’. Enfim, o padre era seu confidente e confessor, numa amizade quase bandida. Ambos brigavam muito e discutiam em italiano, em altos brados. O Francesco sempre tratava-o por ‘Don Giuseppe’ e o padre tratava-o por Francesco.

Logo ao levantar-se, o Francesco corria ao bar da esquina e sorvia duas doses de ‘genebra’ para frear o ‘deliirius tremens’; depois vinha ao encontro do padre, diuturnamente, trazendo-lhe os jornais do dia. Conversavam um pouco sobre o noticiário, principalmente os políticos, imprecavam contra o 1º ministro de então (2007) Romano Prodi, elogiavam Berlusconni e pronto. Após o papo inaugural da manhã, o Francesco pedia dinheiro a Don Giuseppe que se irritava, dizia que não era Banco, que Francesco gastava e bebia demais, que assim não dava, etc. Francesco contra-argumentava: precisava do dinheiro para comprar material para uma eterna reforma que empreitara, tendo como objeto, as janelas e portas do mosteiro. Diga-se de passagem, o danado é bom de serviço e um bom profissional na área da carpintaria. Também tinha arroubos, ora de ‘bom coração’, um cara sensível, ora frio e mau. Dava sinais de pertencer ou de ter pertencido à Máfia, quem sabe, pensando em nos intimidar!...

Um dia, quando o álcool parecia dominá-lo, ele contou-nos que havia cometido um grande erro em sua vida: sequestrara Fabrizio d’Andre, um ídolo italiano da década de 1970/1990. Dizia-nos que ao descobrir quem era sua vítima entrara em desespero, mas que o artista o consolava e prometera não denunciá-lo após a saída do cativeiro. Ele não nos ofereceu detalhes de resgate, valores ou circunstâncias. Confessava que a polícia o havia detido e dado fim ao seqüestro e que passara 16 anos atrás das grades, após o processo condenatório. Dizia que dali por diante, teria sido ajudado financeiramente pelo artista. Em função desse crime, sua mulher o abandonara e não mais quis vê-lo. Quem sabe, essa foi sua grande desgraça! Ele falava sobre o assunto e vertia muitas lágrimas, sempre ao som das músicas da sua vítima - que tinha gravadas numa fita cassete e passava num pequeno aparelho toca-fitas doméstico.

Certa noite, enquanto tomávamos uma cerveja e eu dedilhava o violão, seu amigo Antonello apareceu com a ‘amiga’ Cristina, italiana, também sarda, que tinha bom gosto musical e bebia com eles noite adentro. Daí em diante, as visitas passaram a ser constantes, até que o Antonello e a Cristina passaram a ocupar um dos aposentos do mosteiro, como hóspedes e alguns dias após foram visitar a família na Sardenha. O Francesco fez o mesmo três dias depois, alegando que iria vender uma casa deixada por seus pais... Duas semanas depois voltou o Francesco sozinho e como nossa viagem estava agendada para 5 de dezembro, apenas tivemos oportunidade de vê-lo por três ou quatro dias.

Perdemos o contato e não mais tivemos notícias daquela figura quixotesca!

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 09/06/2010
Reeditado em 24/01/2024
Código do texto: T2309686
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